Por Dr.

Roberto Vieira, Oftalmologista (CRM 9632-PE) A mão suave deslocava o núcleo para a câmara anterior.

Dedos firmes, silêncio ritual, a espátula pressionava a abertura esclerocorneana e trazia mansamente a catarata para o espaço exterior.

Duas suturas realizadas com arte e sabedoria, as massas eram aspiradas, o viscoelástico instilado e, logo após, a lente intraocular assumia seu destino universal.

Para muitos um ato simples.

Para quem conhece os percalços da história da oftalmologia, uma obra de arte.

Durante muitos anos, assisti embevecido as cirurgias de Doutor Jayme César Figueiredo, ou melhor, de Doutor Jayme.

Tanto quanto a técnica exata, havia o respeito sagrado pelo paciente, a ética presente em cada gesto e palavra.

Nos dias de hoje, em que a violência e a pressa vertiginosa dos homens substitui a gentileza e o cavalheirismo, gosto de fechar os olhos e recordar aquele médico incapaz de um gesto brusco, incapaz de uma palavra mais dura, incapaz de tratar mal o mais humilde dos pacientes.

Sim, porque o Doutor Jayme que a oftalmologia pernambucana e brasileira conheceram não deve ser procurado tão somente na sala luxuosa do seu consultório particular.

O espírito de Doutor Jayme se encontra na singeleza da Casa de Saúde Maria Lucinda, seu local de caridade durante mais de sessenta anos.

Pois é, meus amigos.

Durante mais de sessenta anos Doutor Jayme sempre foi de uma gentileza absoluta, de uma doçura exemplar com dezenas de milhares de pacientes que entregaram, talvez sua única riqueza, a visão, em busca de alívio para seu sofrimento.

Em tempos de cobiça e mais-valia, como parece belo o seu compromisso com a maior das utopias da medicina: a saúde dos mais pobres e miseráveis.

Doutor Jayme sempre foi apaixonado pela Oftalmologia.

Embora o seu primeiro instante na profissão tenha sido de dor e luto.

Em 1949, na véspera do Congresso Brasileiro de Oftalmologia do Recife, Doutor Jayme vê seu pai, Dr.

Henrique Figueiredo falecer - justamente Dr.

Henrique que era o presidente daquele Congresso.

Um acontecimento brutal para a alma de um jovem médico, o qual teve de sepultar as lágrimas e a saudade, assumindo a clínica famosa do seu primeiro mestre, do seu primeiro ídolo.

Mas Doutor Jayme não era feito apenas de doçura.

Poliglota, inteligente, estudioso, o futuro marido de Dona Vera e pai orgulhoso de seis filhos, tornou-se um dos ícones da medicina pernambucana.

Procurando o conhecimento, ferramenta indispensável da profissão, Doutor Jayme percorreu estágios na Alemanha e Espanha, pátria dos renomados Aruga e Barraquer.

Trouxe na bagagem o que de mais moderno existia nas cirurgias de catarata e retina.

Doutor Jayme, desta forma, contribuiu decisivamente para o desenvolvimento da especialidade que teve seu batismo entre nós no distante ano de 1882, com a chegada do pioneiro Barreto Sampaio, proveniente da Europa, fixando residencia na rua do Riachuelo, n°17, marco zero da oftalmologia em nosso feudo.

Eram os tempos heroicos de José Berardo Carneiro da Cunha, Pereira da Silva, Pedro Pontual e José Ferreira da Silva.

Tempos bem distantes dos atuais HOPE, Santa Luzia, IOR, Oftalmocenter, SEOPE, Hospital da Visão, CLINOPE e tantos outros, centros de tecnologia avançada que colocam Recife na vanguarda da especialidade de Fuchs e Graefe.

Hoje, 13 de dezembro de 2010, dia de Santa Luzia, a padroeira siciliana dos oftalmologistas, Doutor Jayme César Figueiredo já não está mais ao alcance dos nossos olhos.

Doutor Jayme foi convidado para aquele imenso Centro Oftalmológico localizado na eternidade.

Com certeza já abraçou seu pai, trocou ideias com Hilton Rocha e perguntou por Duke-Helder e Schepens.

Partiu um dos últimos cavalheiros da Oftalmologia.

Resta a saudade.

E o exemplo…