Do Congresso em Foco Após constatar irregularidades no uso de dinheiro público para a realização de eventos, o Ministério do Turismo cobra a devolução de R$ 68 milhões de prefeituras e entidades do terceiro setor que não usaram o recurso da maneira combinada com o governo federal.
Desse total, pelo menos R$ 50 milhões bancaram festas populares, como carnaval, micaretas, festas juninas, rodeios e shows de música entre os anos de 2003 e 2009.
Parte desses recursos foi direcionada a entidades “sem fins lucrativos” indicadas por parlamentares.
Este ano, o governo operou para realocar emendas feitas por deputados e senadores na área turística.
O dinheiro cobrado se refere a 467 convênios considerados inadimplentes pelo ministério porque não houve a devida prestação de contas ou faltou a comprovação da realização do evento com seus reais custos.
A maioria desses repasses foi feita diretamente a organizações não-governamentais, sindicatos e associações.
O Turismo quer retomar R$ 42 milhões repassados a essas entidades por meio de 234 projetos.
Os R$ 26,2 milhões restantes são cobrados de prefeituras e associações que representam os municípios.
Os dados fazem parte de levantamento exclusivo feito pelo Congresso em Foco a partir do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) e do Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU).
A cobrança dos recursos foi confirmada pelo Ministério do Turismo.
Procurada pela reportagem, a assessoria do ministério informou que o órgão intensificou a análise das prestações de contas das festas e conseguiu retomar para os cofres públicos, desde o início do ano, outros R$ 47,24 milhões utilizados indevidamente em eventos entre 2004 e 2009.
Ou seja, somado esse valor já retomado e os R$ 68 milhões ainda por reaver, o uso indevido de dinheiro público com eventos passou dos R$ 115 milhões.
O direcionamento de recursos do orçamento para a promoção de eventos patrocinados pelos ministérios do Turismo e da Cultura a entidades fantasmas derrubou esta semana o relator da proposta orçamentária, senador Gim Argello (PTB-DF), acusado de direcionar recursos para institutos de fachada. “Mulata de ouro” A dívida das entidades e prefeituras conveniadas varia de simbólicos R$ 180 a R$ 2,5 milhões.
Há casos curiosos entre aqueles que estão na mira do Turismo.
O ministério cobra, por exemplo, a devolução de R$ 40 mil de uma escola de samba de Vitória (ES).
O dinheiro foi repassado pelo governo federal para que a agremiação elegesse a “mulata de ouro” no carnaval de 2007.
Segundo o ministério, a entidade não prestou contas do uso dos recursos.
Na lista dos repasses que o Turismo tenta tomar de volta, há pelo menos R$ 4,8 milhões gastos indevidamente na promoção de festas de carnaval e micaretas, os carnavais fora de época.
Entre as entidades beneficiadas, há até tradicionais escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro.
A pasta também tenta retomar R$ 400 mil utilizados por duas associações para promover um esporte ainda relativamente pouco difundido no país, o kitesurf.
Praticado sobre a água, com o auxílio de uma prancha e de uma pipa, a modalidade foi agraciada com recursos para eventos na Paraíba e no Ceará entre os anos de 2004 e 2006.
Os organizadores não prestaram devidamente as contas.
Diante da dificuldade em conseguir os recursos de volta, o Ministério do Turismo acionou o Tribunal de Contas da União (TCU) para resolver o caso.
O ministério tenta reaver, ao todo, R$ 2,2 milhões repassados para a promoção de eventos esportivos.
A prefeitura de Aquidabã (SE) está sendo cobrada em R$ 140 mil.
O ministério quer de volta o dinheiro do 41º Casamento do Matuto, realizado em 2008, um festejo junino com direito a cavalgada.
A prefeitura da cidade, que fica a menos de 100 quilômetros de Aracaju (SE), não apresentou todos os documentos para comprovar a realização do tradicional evento conforme o combinado com o governo federal.
Comprovação dos gastos Para realizar uma festa, as ONGs e prefeituras assinam um convênio (espécie de contrato) com o Ministério do Turismo, estabelecendo direitos e deveres.
Depois que as entidades e municípios recebem o dinheiro e fazem o evento, têm 30 dias para prestar contas.
Ou seja, comprovar que realmente fizeram a festa conforme o combinado, incluindo os gastos previstos.
Se alguma parte do evento não foi realizada ou houve outro tipo de falha, o beneficiário recebe uma guia bancária para pagar à União a diferença devida.
Se o pagamento não for feito, a ONG ou prefeitura vai parar no cadastro de inadimplentes.
Quinze dias depois, se não pagar o devido ou não comprovar que realmente realizou o evento conforme o combinado, o ministério abre uma tomada de contas especial (processo para recuperar dinheiro público) contra o município ou entidade.
O processo é enviado à CGU e, de lá, ao TCU. É o tribunal quem julga a tomada de contas especial da ONG ou prefeitura.
As prestações de contas servem para, por exemplo, comprovar que os recursos foram usados corretamente e que não houve fraude ou desvio de dinheiro público. É um dos meios para se evitar e punir casos de corrupção.
Constatado algum problema na prestação de contas, a regra determina a paralisação de novos repasses.
No papel, as prefeituras, estados e ONGs que ficam inadimplentes não podem receber mais dinheiro da União.
Entretanto, como mostrou o Congresso em Foco, estados continuam a receber recursos valendo-se de medidas judiciais e também de interpretação do próprio governo federal em bloquear os repasses apenas para determinadas secretarias dos governos e municípios.