Por Marta Samico, na Escola Pública Mariana Marla Medeiros Alves, de 11 anos, cruza a fronteira entre a Paraíba e Pernambuco todos os dias para estudar na Escola Estadual Tomé Francisco da Silva, localizada em Lagoa da Cruz, zona rural de Quixaba (PE).

A instituição atende, em dois turnos, cerca de 800 alunos do ensino fundamental e médio e alguns deles chegam a percorrer até 35 km por dia para frequentar as aulas. “Pra mim, esta escola é de Primeiro Mundo.

Se não fosse boa, não tiraria Mariana de Princesa Isabel (PB) para estudar aqui, em Pernambuco”, justifica seu pai, o pedreiro Adalberto Alves.

A reputação da Tomé Francisco, como é chamada por todos, cresceu após se destacar em diversas avaliações e premiações.

A escola registrou um dos melhores desempenhos do estado entre as séries iniciais no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2007 e 2009, com 6,6 e 6,5, respectivamente, e esteve entre as 20 mais bem colocadas da rede pública de Pernambuco no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2009, com média geral 559,32.

Os sucessos são comemorados com a comunidade em ações de reconhecimento.

A instituição roda um jornal bimestral, que já noticiou a vitória de alunos na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), uma nota 10 na redação do Enem, a lista dos aprovados em universidades e a participação dos professores nos projetos pedagógicos.

Uma edição especial, lançada apenas com os textos dos estudantes selecionados na Olimpíada da Língua Portuguesa, foi utilizada como material didático para o estudo de português e literatura pelos demais alunos.

Não são apenas ganhadores de competições externas que têm o seu trabalho reconhecido.

Outra prática comum é expor as tarefas nas paredes da escola. “Isso foi algo que sempre fizemos, porque o aluno se esforça mais e se sente prestigiado.

Quando vencemos o Prêmio Nacional de Referência em Gestão Escolar, em 2008, fui contemplado com um intercâmbio aos Estados Unidos e foi uma surpresa ver que as escolas de lá também expõem os trabalhos dos estudantes”, diz o diretor Ivan José Nunes Francisco.

Outro pilar da administração é a gestão democrática.

O colegiado escolar, formado por gestores e representantes dos professores, pais e alunos, reúne-se para debater todos os assuntos referentes à instituição, inclusive a adaptação do Projeto Político Pedagógico (PPP).

A comunidade também integra essa discussão.

A instituição realiza assembleias semestrais para apresentar o PPP aos pais.

Nesses encontros, são analisados ainda indicadores de aprendizagem e de evasão, além de divulgadas as metas e ações previstas para o período. “Só conseguiremos alcançar nossos objetivos se todos estiverem comprometidos.

Por isso, buscamos integrar a comunidade em tudo o que fazemos.

E, quanto a isso, não temos o que reclamar.

Todos aqui são muito participativos”, elogia Ivan, que cita a presença de cerca de 400 pais na última assembleia, realizada no dia 21 de julho.

De olho no resultado Entre as prioridades pedagógicas, está o foco no desempenho do aluno.

Cada estudante é acompanhado individualmente, com fichas de avaliação que relatam não só as notas e quantos livros paraditáticos leu, mas também a participação em sala de aula e a interação com os colegas. “Começamos a avaliar os aspectos atitudinais para fazer um cruzamento com as notas.

Verificamos que os estudantes mais participativos são aqueles que obtêm o melhor desempenho”, explica Josilene Quidute, coordenadora pedagógica das séries iniciais.

O trabalho de avaliação do aluno é feito em conjunto pela coordenação pedagógica e pelo professor da disciplina. “No início do trabalho me senti vigiada e cobrada, mas depois consegui entender que as intervenções adotadas provocam mudanças significativas no desempenho final dos meus alunos”, relata Girlene Nunes, professora do 5º ano.

As fichas são entregues aos pais a cada dois meses. “Nessas reuniões, sempre fazemos algo interessante, como a apresentação de teatro ou música ao vivo.

Talvez por isso contamos com uma participação tão grande”, especula Ivan.

Depois das atividades gerais, os pais se deslocam às salas de aula para debater a avaliação com os professores.

Os casos dos alunos com desempenho abaixo do esperado são discutidos em particular com os responsáveis.

A frequência dos estudantes também é acompanhada de perto.

Ao identificar cinco faltas consecutivas ou dez alternadas sem justificativa em um mesmo mês, a escola convida os responsáveis a uma reunião e chega até a fazer visitas domiciliares a quem não comparece. “Nos preocupamos em conversar também com o aluno, para saber a razão de não vir às aulas.

Se ele relata algum tipo de desmotivação, buscamos tornar a escola mais atraente para que volte a frequentar”, diz a coordenadora pedagógica.

Com isso, o índice de evasão caiu de 6%, em 2006, para 1% em 2009.

Para dinamizar o aprendizado e incentivar a participação dos estudantes, a Tomé Francisco aposta na realização de projetos pedagógicos.

Estas iniciativas abordam assuntos variados, como literatura, arte e cultura popular.

Os alunos são sensibilizados em sala de aula, depois participam de oficinas para trabalhar o tema artisticamente, com pintura, teatro ou dança.

Para finalizar, uma plenária apresenta os trabalhos à comunidade. “Quando há algum projeto em andamento, os alunos se motivam, e a escola fica de certa forma diferente”, diz Josilene.

A maior parte dos estudantes conta ainda com reforço de português e matemática no contraturno, uma ou duas vezes por semana.

Eles recebem o material didático e almoço nos dias em que ficam na escola para as aulas. “Servimos de referência para o governo do estado instituir o programa de reforço escolar”, conta Ivan.

O corpo pedagógico também é estimulado a dar continuidade aos estudos.

Toda equipe possui formação superior na sua área de atuação e 70% dos profissionais têm pós-graduação.

Na atual gestão do governo estadual, a educação conti­nuada passou a ser um programa institucional, mas, antes disso, a coordenadora pedagógica Josilene Quidute promovia cursos de atualização para os professores, que eram substituídos em sala de aula por estudantes de pedagogia da própria comunidade, normalmente ex-alunos da escola.

Com essas iniciativas, a aprovação melhorou em todas as classes entre 2006 e 2009.

O destaque foi para as séries iniciais, em que houve evolução de 93% para 99%.

Participação de todos Segundo o diretor, a principal dificuldade da instituição é a falta de recursos financeiros, problema driblado com parcerias. “A quadra era um sonho antigo e a gente conseguiu realizá-lo com a ajuda de todos.

Cada um contribuía como podia, fosse com trabalho ou com doação de materiais e dinheiro.

Chegamos até a rifar um bode para arrecadar fundos”, lembra Ivan.

Antes mesmo de o governo do estado garantir fardamento às escolas, todos os alunos da instituição já possuíam uniformes.

As crianças que não tinham condições de adquiri-los eram adotadas por funcionários ou outros membros da comunidade.

Por essas duas iniciativas, a Tomé Francisco recebeu o Prêmio Escola Solidária nos anos de 2003 e 2005.

E as parcerias não param por aí.

Mesmo sem dispor de piscina, os alunos da instituição conquistam medalhas de natação nos jogos estaduais, graças a um acordo com a Associação Atlética Banco do Brasil de Princesa Isabel (PB), que cedeu suas instalações.

Para levá-los aos treinos, os motoristas do transporte escolar prestam o serviço gratuitamente. “A gente aqui não tem indústrias, então, todo mundo é um possível parceiro”, justifica Ivan.

Os alunos ainda treinam futebol de salão e de campo e atletismo.

Da mesma forma que recebe contribuições da sociedade, a Escola Tomé Francisco da Silva busca retribuir, tornando-se um espaço que atenda não só os alunos, mas toda a comunidade.

A biblioteca, o laboratório de informática e os eventos são abertos a quem desejar frequentá-los.

Em 2008, o escritor Ariano Suassuna interessou-se em conhecer a escola, por causa do resultado no Enem, e ofereceu uma aula-espetáculo, que foi assistida por mais de mil pessoas da região.

Os bons resultados também garantiram a reforma da escola, que ganhou até uma quadra coberta.

Com a conclusão da obra em 2009, o prédio da Tomé Francisco, embora possua instalações simples, passou a destoar da paisagem rural de Lagoa da Cruz.

Para preservar a estrutura física, o projeto Escola retrato do aluno conscientiza os estudantes sobre o seu papel na manutenção, tarefa que encontra respaldo em toda a comunidade escolar. “Sempre que tem uma cadeira quebrada, o diretor me pede para consertar.

Não é minha função, mas faço com prazer, porque gosto de ver a escola organizada”, diz Edmilson Lopes, auxiliar de serviços administrativos.

Aliás, segundo Ivan, essa não é uma atitude isolada. “O pessoal aqui é muito motivado, não encontramos resistência nenhuma ao que propomos, a participação é total.” A maior parte da equipe trabalha junto desde que ele assumiu a direção da escola, há 12 anos, mas é uma novata que tenta explicar o porquê de tanto engajamento. “A escola é destaque nacional e cada um quer contribuir com o projeto.

Encho a boca pra dizer que trabalho na Tomé Francisco”, conclui a técnica educacional Cláudia Sandocléia da Silva Araújo.