Por Raul Jungmann Quis o destino que fossem justamente os japoneses a dar o primeiro tiro no Protocolo de Kioto, nesta Conferência das Partes da ONU (Organização das Nações Unidas), COP 16, que se realiza em Cancún, no México.
Disse o chefe da delegação japonesa, curto e grosso, que seu pais não estava disposto a referendar a Fase II do Protocolo, cuja primeira etapa expira em 2012.
A reação foi uma grita geral, encabeçada pelo Grupo dos 77, ao qual se somaram o Brasil e outros.
Mas, por que a grita?
Simples.
Acordado em 1997 e tornado efetivo em 2005, Kioto é a base e o guarda-chuva sob os quais todas as nações compartilham de um esforço comum, embora diferenciado entre desenvolvidos e em desenvolvimento, para evitar os danos decorrentes das mudanças climáticas.
Dividido em Anexo I, países desenvolvidos, e Anexo II, países em desenvolvimento, está estabelecido no Protocolo que os primeiros devem reduzir suas emissões de dióxido de carbono entre 25% e 40% até 2020, tomando por base o ano de 1990.
Já as nações em desenvolvimento estavam desobrigadas de assumir metas monitoradas pela ONU.
Mesmo assim, esses países deveriam propor programas de redução de emissões e receber colaboração tecnológica e financeira dos países ricos.
Crise econômica Com a crise de 2008/09, o bloqueio do programa dos Estados Unidos pelos republicanos no Congresso norte-americano e a resistência de China, Índia e Brasil de aceitarem monitoramento internacional, os japoneses tornaram público o que é desejo secreto dos europeus: não referendar a Fase II do Protocolo de Kioto, sem que os EUA e os “grandes emergentes” também o façam.
Por trás da cena, dois motivos movem os japoneses.
Primeiro, os custos e recursos para um amplo programa de mitigação de emissões e de adequação aos seus impactos.
Segundo, os efeitos dos mandamentos de Kioto sobre a competitividade das empresas japonesas, vis-à-vis seus adversários globais.
E nós com isso?
Bom, caso a temperatura do planeta ultrapasse os dois graus fatídicos até o fim do século XXI, poderemos ter uma elevação do nível do mar de 18 a 59 centímetros, com impactos gravíssimos na RMR e, em especial, no Recife, em termos humanos, econômicos e ambientais.
Aliás, em Copenhague, ouvi de Carlos Nobre, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que, no pior cenário, teríamos que remover meio milhão de pessoas que vivem nas áreas baixas e/ou estuarinas da cidade maurícia.
Impacto Impacto igualmente severo teria a elevação da temperatura global sobre o semiárido, que cobre dois terços do nosso território.
Isto porque seria acelerado o processo de desertificação do bioma caatinga, com extensão dos períodos de seca e desastrosos impactos sobre a agricultura de subsistência, da qual dependem milhões de nordestinos.
Isso os levaria a um êxodo rumo as nossas cidades, agravando os desequilíbrios urbanos.
Mas, aqui em Cancún, pouco se fala disso, regiões áridas e zonas litorâneas.
Essas são consideradas questões “nossas”, digamos.
Ao contrário dos temas ligados a florestas, indústrias e mesmo agricultura, consideradas globais e que tomam o espaço das negociações e das palestras.
Ausência dos governantes De quebra, a representação nordestina, inclusive pernambucana, beira a zero.
Nenhum dos nossos governadores ou prefeitos de grandes cidades apareceu por aqui para dar voz aos nossos problemas e buscar soluções.
Ausentes, eles não nos representarão na intensa disputa por recursos e fundos que estão sendo criados – US$ 30 bilhões, de 2010 a 2012; e US$ 100 bilhões anuais, de 2012 em diante.
Essa ausência é um prolongamento da inércia interna.
Até o momento, não temos cenários, estudos de impacto, muito menos políticas de mitigação e adequação, diante das mudanças climáticas que o mundo todo, sem exceção, debate aqui, em Cancún.
Afinal, é o destino da humanidade que está em jogo.
E, que eu saiba, nós, nordestinos fazemos parte dela.
Deputado federal e vice-líder do PPS na Câmara.