Peter Yost Associated Press/Agência Estado WASHINGTON – As decisões do governo americano sobre se ou como fazer acusações criminais contra participantes das revelações do WikiLeaks são complicadas pela novidade da empresa baseada na internet de Julian Assange: trata-se de jornalismo ou de espionagem?

Advogados dos departamentos de Justiça, de Estado e de Defesa dos Estados Unidos estão discutindo se seria possível processar o fundador do site e outros pela Lei de Espionagem, segundo um veterano funcionário do Pentágono. “Eles debatem se a Lei de Espionagem se aplica e a quem”, disse o funcionário.

Outras acusações poderiam ser possíveis também, inclusive a de roubo de propriedade do governo ou receptação de propriedade roubada do governo.

O deputado Peter King, de Nova Iorque, propôs que Assange fosse acusado pela Lei de Espionagem e quis saber se o WikiLeaks poderia ou não ser considerado uma organização “terrorista”.

Assange, por sua vez, tem se retratado como um jornalista em uma cruzada: ele disse à ABC News por e-mail que seu último lote de documentos do Departamento de Estado exporia “lideranças mentirosas, corruptas e assassinas do Bahrein ao Brasil”.

Afirmou à revista Time que tem como alvo apenas “organizações que usam o sigilo para ocultar comportamentos injustos”.

O experiente advogado Plato Cacheris, que representou o agente da CIA Aldrich Ames e outros acusados de espionagem, comentou esta semana que Assange poderia argumentar que está protegido pela Primeira Emenda da Constituição dos EUA, aquela que defende a liberdade de imprensa.

Limitado pelas garantias à liberdade de imprensa da Primeira Emenda, o Departamento de Justiça tem evitado processar jornalistas pela publicação de segredos vazados.

Vazadores foram ocasionalmente processados, em geral funcionários públicos acusados pelos estatutos mais fáceis de provar que criminalizam a manipulação indevida de documentos secretos.

Dois vazadores enfrentaram acusações pela Lei de Espionagem, com resultados distintos.

O último vazamento que se aproximou do porte das exposições do WikiLeaks foi o dos Documentos do Pentágono, durante o governo Richard Nixon.

A Suprema Corte rejeitou a iniciativa do presidente Nixon para impedir jornais de publicarem aqueles papéis.

Mas o vazador, o ex-analista do Pentágono Daniel Ellsberg, foi acusado pela Lei de Espionagem de posse não autorizada e roubo dos papéis.

Um juiz federal derrubou as acusações em razão de condutas impróprias do governo, entre elas o roubo dos arquivos psiquiátricos de Ellsberg por enviados da Casa Branca.

O governo Ronald Reagan teve mais sucesso contra Samuel Loring Morison, um analista de inteligência civil da Marinha e neto de um famoso historiador americano.

Morison foi condenado pela Lei de Espionagem e por roubo de propriedade do governo para fornecer a uma publicação britânica, a Jane’s Defence Weekly, uma foto de satélite americano de um porta-aviões russo em construção num porto do Mar Negro.

Dezenas de organizações noticiosas enviaram avaliações de conselheiros judiciais apoiando Morison por ele ser um editor em tempo parcial com remuneração de US$ 5 mil anuais de uma publicação ligada à Jane’s, e isso o qualificava como jornalista.

Mas o WikiLeaks entrou num espaço onde nenhum jornalista ingressara anteriormente.

As organizações noticiosas muitas vezes tentaram obter informações, mesmo secretas, do governo para matérias específicas e imprimiram segredos conseguidos com funcionários públicos, mas nenhuma se equipara ao convite mundial aberto de Assange para lhe enviarem qualquer informação secreta ou confidencial em que uma fonte puder meter as mãos.

O WikiLeaks é um vazador ou meramente o publisher? “Os tribunais têm relutado em traçar uma linha de demarcação entre o que chamamos de mídia tradicional e tudo o mais”, opinou o procurador em Washington, Stan Brand. “Se essas pessoas estão publicando e exercendo direitos da Primeira Emenda, não vejo por que estariam menos qualificadas aos direitos de publicar da Primeira Emenda.” Entretanto, numa entrevista coletiva concedida no dia seguinte ao vazamento, o secretário de Justiça dos EUA, Eric Holder, diferenciou o WikiLeaks com organizações de notícias tradicionais, que, segundo ele, agiam com responsabilidade na matéria apesar de muitas terem publicado alguns materiais secretos.

Algumas organizações noticiosas consultaram previamente o governo para evitar imprimir materiais danosos.

Assange afirmou que seus esforços no mesmo sentido foram recusados. “Pode-se comparar a maneira como as várias organizações noticiosas que se envolveram com isso agiram de maneira diferente do WikiLeaks”, disse Holder.

Alguns veem aberturas para o governo. “Assange falou demais e pode se expor a uma possível acusação por violação da Lei de Espionagem”, disse o advogado especializado em Primeira Emenda na Rádio Pública Nacional dos EUA, notando que Assange falou que os vazamentos poderiam derrubar o governo americano.

O advogado Bob Bittman, de Washington, manifestou surpresa pelo fato de o Departamento de Justiça ainda não ter acusado Assange com base na Lei de Espionagem e pelo roubo de propriedades do governo em suas divulgações anteriores de documentos secretos sobre operações militares americanas no Iraque e no Afeganistão.

Bittman disse ser amplamente aceito que essas revelações prejudicam a segurança nacional americana, em particular as fontes e métodos da inteligência dos EUA, cumprindo os requisitos de diversas seções da lei de haver intenção ou razão para se acreditar que a revelação poderia prejudicar os EUA.