Por Adriana Nicacio e Octávio Costa, da Istoé Confirmado no cargo pela presidente eleita Dilma Rousseff, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que está trabalhando “para dois chefes”.
Continua a prestar serviços ao presidente Lula e, simultaneamente, participa de todas as discussões sobre o futuro governo.
De um lado, garante as receitas que sustentam as últimas realizações da era Lula e, de outro, traça o austero programa de contenção de gastos que Dilma adotará no início de sua gestão. “O impacto do ajuste fiscal começa no dia 1º de janeiro”, afirmou Mantega em entrevista exclusiva à ISTOÉ.
Ele promete um corte de 30% nos recursos de cada ministério, mas explica que isso não vai significar retração da economia: “Não será a contenção conservadora do passado, que derrubava o crescimento do País.
O Estado vai gastar menos e abrirá espaço para o setor privado.” Um incentivo ao investimento produtivo será a queda nas taxas de juros.
Ao contrário da maioria dos analistas, Mantega considera que os preços são pressionados por fatores sazonais e não vê motivo para o Banco Central aumentar a taxa básica de juros. “O mercado é apressadinho para aumentar os juros, porque não gosta de indicadores estáveis.” Istoé - O sr. tem falado da necessidade de conter os gastos.
Isso significa que 2011 será um ano difícil para a economia brasileira?
Guido Mantega - Não.
Algumas pessoas dentro do setor público vão chiar, vão ter menos dinheiro.
Alguns ministérios poderão reclamar porque terão menos recursos.
Estamos decididos a fazer um corte de gastos. É uma decisão da presidente Dilma.
Mas não será a contenção conservadora do passado, que derrubava o crescimento do País.
O setor público será substituído pelo privado.
Em 2009 e 2010, para superar a crise econômica, o Estado gastou mais para estimular a economia.
Tivemos que dar mais subsídios e desoneramos tributos.
A demanda pública complementou a demanda privada, que em 2009 deu uma fraquejada.
Agora que a economia já está fortalecida, o Estado vai abrir espaço para o setor privado.
Istoé - O setor privado tem capacidade para ocupar esse espaço?
Guido Mantega - Vamos diminuir gastos, principalmente de custeio, ampliando o espaço para investimentos e redução de juros. É uma combinação de política monetária e fiscal.
Nos últimos dois anos fizemos mais política fiscal, que é desonerar tributos, fazer mais gasto público e gerar emprego pelo gasto público.
Istoé - Como convencer o empresário a aplicar em infraestrutura, quando ele tem um retorno maior nas aplicações financeiras?
Guido Mantega - Os juros vão cair.
Istoé - Quando?
Guido Mantega - Não existe uma data. É uma definição teórica.
Criaremos as condições para que o Banco Central reduza os juros.
O impacto do ajuste fiscal começa no dia 1º de janeiro.
Se o governo diminuir o gasto público, a demanda nacional tende a reduzir.
Então o governo precisa dar um estímulo monetário para que o setor privado substitua o Estado.
Não vamos desativar os programas, o PAC vai continuar.
O investimento continuará sendo estimulado.
O que será reduzido é o gasto com custeio.
Istoé - A pedido da presidente Dilma, está sendo elaborado um programa de forte redução de gastos.
Em que proporção?
Guido Mantega - Todos os ministérios estão sujeitos a redução no Orçamento, o que significa que vamos pegar cada ministério e retirar cerca de 30% do recurso que eles têm hoje.
Istoé - Haverá cortes na folha de pagamento?
Guido Mantega - Não haverá aumento de pessoal. É um duplo movimento: reduzir os gastos existentes e impedir novos gastos.
Também será uma boa oportunidade para rever todos os custos.
Todos os ministérios têm contratos de serviços.
As secretárias, os seguranças e os motoristas são terceirizados.
Como terão menos recursos, terão que dar uma enxugada e renegociar contratos.
Todos os custos estarão sob questionamento e em várias áreas haverá projetos que serão realizados um pouco mais adiante. É salutar, porque isso também é feito pelas empresas do setor privado.
Istoé - Pode haver até o retorno da inflação, caso o Estado não se contenha…
Guido Mantega - Sim, se juntar o aumento do gasto público com o aumento do gasto privado.
O que precisamos hoje é reduzir a participação pública e aumentar a participação privada e para isso é preciso estímulos monetários e mesmo fiscais.
Havendo espaço, vamos reduzir tributos.
Até porque não queremos reduzir o PIB.
Não será um PIB como o deste ano, de 7,5%, mas 2010 foi excepcional, porque sucedeu um ano de vacas magras.
A nossa meta é de 5% em 2011.
Istoé - O sr. esperava o convite para continuar no cargo?
Guido Mantega - Não diria que esperava o convite, mas havia certa lógica de que fosse feito.
Tenho uma grande afinidade com a presidente Dilma.
Nós temos uma grande sintonia de pensamento e, desde que passamos a trabalhar juntos, fomos parceiros.
Por um lado o presidente Lula teve o resultado que ele queria.
Ficou satisfeito em ter um país crescendo, a população melhorando de vida, desde o pobre até o rico.
Até rico melhorou de vida neste governo.
Istoé - Há um ano o sr. nos alertava, em entrevista, de que a economia seria um excelente cabo eleitoral…
Guido Mantega - É verdade.
A economia quando dá certo é o melhor cabo eleitoral.
Por outro lado, a economia pode destruir a reputação de um governante.
Se for bem, ela consagra.
Se for mal, ela destrói.
Istoé - Fala-se muito que, nos últimos quatro anos, havia atrito entre a Fazenda e o Banco Central.
O BC não tinha a mesma visão que a Fazenda a respeito da economia.
Não era desenvolvimentista.
Agora, com Alexandre Tombini, haverá uma equipe econômica mais homogênea?
Guido Mantega - Para um país que adotou o regime de metas de inflação, o BC, por definição, não pode ser desenvolvimentista.
Ele é conservador por natureza.
Ele não pode pensar muito.
Tem que olhar para a meta de inflação e cumprir a meta. É diferente do Fed (Banco Central americano), que não tem meta de inflação.
O BC brasileiro é um cumpridor de tarefas, pois quem define a meta de inflação é o Conselho Monetário Nacional, presidido pelo ministro da Fazenda.
Istoé - Mas pode haver um relacionamento melhor?
Guido Mantega - Essa história de que eu não tinha um bom relacionamento com o Meirelles (Henrique Meirelles, presidente do BC) é um pouco de conversa.
Nós tivemos divergências de avaliação que qualquer economista tem.
Se sentarem aqui o meu amigo Aloizio Mercadante, o Delfim Netto, que eu admiro muito e é um dos melhores economistas que temos, e o Belluzzo (Luiz Gonzaga), eles poderão divergir da dinâmica da inflação hoje.
Posso dizer que o que está pesando são fundamentalmente commodities, alimentos e mais combustíveis, de efeito sazonal.
Istoé - O sr. defendeu isso durante todo o ano.
Guido Mantega - E eu provo isso, porque tenho o gráfico do BC.
Sem a sazonalidade de alimentos e combustíveis, a inflação não está subindo, está em 4,89%.
Istoé - É conveniente retirar alimentos e combustíveis do índice de inflação?
Guido Mantega - Não, porque os preços vão e voltam.
Não vamos retirar nada do índice de inflação.
Estou falando que, para motivar a política econômica, temos que olhar o núcleo, pois tem sazonalidade.
Se pegarmos o gráfico do IPCA, ele sobe e desce e, em geral, os responsáveis são os alimentos.
No início deste ano, o período de chuvas prejudicou algumas safras e o preço do álcool subiu 30%.
Além disso, as commodities estavam em alta.
Falei, e está registrado, que naquele momento era uma inflação de alimentos e não de demanda.
A prova dos noves é que, depois que passaram as chuvas, a inflação caiu e nós ficamos três meses com o IPCA próximo de zero.
Istoé - O fato de Alexandre Tombini substituir Henrique Meirelles no BC não mudará em nada?
Guido Mantega - Não.
Já trabalhávamos em conjunto e quando o Meirelles e eu tínhamos alguma divergência de avaliação íamos discutir com o presidente da República.
Istoé - O sr. diz que a inflação tem esse peso sazonal, mas o mercado tem dito que é hora de aumentar os juros novamente.
Guido Mantega - Uma coisa é o mercado, outra coisa é o Banco Central.
Se pegarmos as últimas atas do BC, elas falam que a inflação está sob controle.
O mercado olha só o IPCA ou o IGP-M cheio, o que é pior ainda, porque mede commodities, que estão num ciclo de alta lá fora.
Nessa conta, a curva empinou para cima.
Mas eu digo que ela vai voltar.
O mercado é sempre ansioso, apressadinho para aumentar juros.
Istoé - Segundo Delfim Netto, o mercado é apressadinho, faz a pressão e o BC acaba acompanhando o mercado…
Guido Mantega - Isso eu não sei.
Sei que o mercado não gosta de indicadores estáveis, ganha com a volatilidade.
Se a taxa fica parada, ele não ganha nada.
Istoé - O sr. acha que a questão cambial está bem resolvida?
Ainda há outras medidas que poderão ser tomadas?
Guido Mantega - Estamos numa guerra cambial.
Infelizmente isso vai continuar porque uma boa parte do mundo não se recuperou.
Os EUA conseguiram exportar mais para o Brasil do que nós para eles. É a primeira vez em não sei quantos anos que teremos déficit comercial.
Agora, vamos lutar para que os países não adotem práticas belicistas.
Tomaremos tantas medidas quanto forem necessárias.
Hoje temos o conhecimento de medidas e o respeito do mercado.
Eles sabem que nós não estamos brincando.
Istoé - Como o sr. está convivendo nesses dias com o fato de estar respondendo ao presidente Lula e à presidente Dilma?
Guido Mantega - Tenho sentido que tenho dois chefes.
Só está fácil porque eu estava acostumado a lidar com os dois.
Tenho mais trabalho.
Mas há a continuidade dos dois governos, com nuances e adaptações.
Istoé - Se o sr. completar os oito anos, será o ministro da Fazenda mais longevo, fora o do primeiro mandato de Vargas.
Como o sr. encara esse fato?
Guido Mantega - Se eu ficar serei o mais longevo, porque o da ditadura não conta.