Da Veja Milhares de brasileiros viajaram ao exterior em 2010, deixando em seus destinos mais de 13 bilhões de dólares – um recorde histórico, de acordo com o Banco Central – ou o equivalente a 43,3 milhões de dólares por dia.
O que está por trás de tanto gasto?
Compras, compras e mais compras.
Eletrônicos, roupas, perfumes, cosméticos e bebidas compõem a lista de produtos que os ávidos e (aparentemente) endinheirados turistas nacionais consomem fora do país.
Segundo a consultoria Generation AB, especializada em varejo de viagem, foram gastos 6,6 bilhões de dólares apenas em freeshops e lojas turísticas no continente americano nos nove primeiros meses deste ano.
A expectativa da consultoria é que o valor desembolsado em 2010 chegue a 9,1 bilhões de dólares, superando em 17% o despendido em 2009 (7,8 bilhões de dólares).
Já na Europa, as compras em varejo turístico vão ainda mais além.
Até setembro, totalizaram 10 bilhões de dólares e devem fechar o ano em 15 bilhões de dólares.
Do total de freeshops e lojas turísticas pesquisadas, foram gastos em 2010 cerca de 28 bilhões de dólares apenas em bens classificados como de luxo – que inclui eletrônicos, jóias, relógios e roupas de grife.
A maior parte desse consumo vem de turistas da Ásia.
No entanto, o país conquista pouco a pouco o seu espaço.
As Américas e a Europa compreendem os três destinos internacionais preferidos dos brasileiros: a Argentina, os Estados Unidos e a França.
Na CVC, maior operadora de viagens do país, este ano fechará com cerca de 875 mil turistas brasileiros que usaram seus serviços para ir ao exterior – número jamais registrado, nem mesmo no início do Plano Real, quando havia paridade com o valor do dólar.
Esse ‘multidão’ representa 35% dos passageiros da operadora.
Em 2009, a proporção era de 30%, sendo a Argentina o principal destino.
Na agência Going, os países europeus têm ganhado a preferência da clientela. “Uma viagem à Europa dificilmente significa visitar um destino só.
As pessoas preferem porque podem ir a vários países e os valores das passagens são bem parecidos com os preços para os Estados Unidos”, afirma a proprietária da agência, Vanessa Feitosa.
A não-obrigatoriedade de visto para brasileiros na Europa, segundo a empresária, também ajuda na escolha do continente.
Contudo, ainda são os Estados Unidos o destino imbatível na preferência dos brasileiros, seguido de perto pela Argentina.
De acordo com a Associação Brasileira das Agências de Viagens (ABAV), um total de 1,2 milhão de turistas terá desembarcado nos EUA até o final do ano, enquanto o país vizinho receberá 1 milhão de turistas nacionais. “As pessoas estão ganhando mais dinheiro, há estabilidade no emprego e acaba sobrando mais para turismo e lazer”, afirma Leonel Rossi Junior, diretor de Assuntos Internacionais da ABAV.
Enquanto perdurar a boa fase da economia doméstica, é natural concluir que os brasileiros gastarão cada vez mais em seus passeios.
A consultoria GFK estima que 3% dos turistas do país vão ao exterior essencialmente para fazer compras.
Mas as demais razões de viagens apuradas pela consultoria, como realizar passeios (15%) e se divertir (14%), invariavelmente também envolvem consumo. “O custo Brasil é muito alto e fazer compras em outros países acaba sendo mais vantajoso”, afirma Rossi Junior.
De fato, o modelo mais caro do iPad – o tablet sensação da Apple – sai por 829 dólares no mercado americano, o equivalente a 1 425 reais, e este passará a ser vendido no Brasil, na próxima semana, por 2 500 reais.
O custo 75% superior se deve essencialmente à carga tributária, sobretudo o imposto de importação.
O dólar a patamares cada vez mais baixos e o real emergindo com força – a última cotação da moeda americana, em 26 de novembro, foi de 1,72 real – atiçam o apetite dos brasileiros por turismo e, consequentemente, pelos gastos no exterior.
Mesmo o euro, que já chegou a custar cerca de 4 reais em 2003, hoje não passa de 2,28 reais. “A desvalorização dessas moedas faz com que o turismo seja até mais barato fora do Brasil do que dentro.
E isso estimula as pessoas a gastarem ainda mais quando saem do país, pois elas têm a sensação de estarem fazendo um bom negócio”, afirma Vanessa Feitosa, da Going.
Enquanto isso no Brasil – E, de fato, fazem.
O limbo hoteleiro em que o Brasil permaneceu durante anos começou a se reverter há pouco tempo, ao passo que a demanda vem crescendo num ritmo mais forte que os investimentos.
O resultado: um salto sem precedentes nos preços das diárias.
Para se ter ideia, uma semana em alta temporada no resort Tivoli, em Praia do Forte, na Bahia, pode custar 17 mil reais para um quarto simples de casal.
O mesmo período no Hotel Crillon, um dos mais caros e tradicionais de Paris, custaria, em média, 16 mil reais.
Os altos preços não se restringem apenas aos resorts do Nordeste.
Em pousadas do litoral paulista, como na praia da Juquehy, o valor de uma semana de estadia pode chegar a 8 mil reais para o casal.
Na badalada ilha de St.
Barths, no Caribe, o mesmo período em um resort quatro estrelas sai por cerca de 5,5 mil reais.
A escalada dos preços no país ultrapassa o setor hoteleiro e tem afetado até mesmo o turismo regional de compras.
A cidade de São Paulo – o maior centro comercial do país – possui o 11º metro quadrado mais caro do mundo em área comercial, segundo a consultoria imobiliária Cushman & Wakefield.
Considerando o custo de vida total da cidade, sua classificação vai para 22º, em uma avaliação feita pelo banco suíço UBS.
Nessa pesquisa, São Paulo é considerada mais cara do que Barcelona, Madri, Chicago, Hong Kong e Berlin.
Diante desse cenário, muitos turistas que se programavam para passar finais de semana de compras na capital paulista, agora preferem Buenos Aires, afirma a proprietária da agência Going. “Na Argentina, há ótimos restaurantes, museus e programação cultural a preços muito mais acessíveis.
E o que se paga por produtos de alto valor agregado, como roupas de grifes importadas, é bem inferior ao que se vê em São Paulo”, afirma.
Resta saber até que ponto é possível comemorar o poder de consumo do mercado interno brasileiro direcionado ao exterior.
Significará apenas pujança econômica ou também falta de competitividade?