Editorial do Jornal do Commercio Num admirável gesto de coragem administrativa, a Prefeitura do Recife devolve uma parte do Centro do Recife a quem de direito: sua população.

As cenas publicadas na edição de ontem deste jornal mostram uma cidade pouco conhecida pelas gerações mais novas e muito íntima e saudosa para os mais antigos.

Do tempo em que a rua estava aberta aos pedestres e respirava-se melhor.

A ação de anteontem, que trouxe de volta sinais de uma cidade com qualidade de vida, mostra que há um saudável propósito de recuperar o Centro do Recife, e merece nossos aplausos.

Entre todos os grandes problemas da capital, este talvez seja o mais urgente e socialmente inadiável, porque se trata de um processo de degradação cumulativo, agravado a cada dia e, portanto, a cada dia se tornando de mais problemática solução.

São os principais agentes formadores desse grande cenário de degradação das avenidas, ruas e praças centrais do Recife os vendedores ambulantes, os barraqueiros e os sem-teto, ou trabalhadores informais que improvisam áreas centrais da cidade como residência.

Para se ter uma ideia do tamanho desse desafio, basta circular pelo Centro do Recife, a qualquer hora do dia ou da noite.

Durante a semana, mostra-se em toda gravidade o lado humano mais triste, em alguns aspectos penalmente condenável, com famílias dormindo ao relento ou onde prédios comerciais têm recuos que servem de proteção.

Esse cenário é agravado pelo mau cheiro de ruas inteiras, e a Sete de Setembro ocupava um lugar de destaque, principalmente pela ocupação do chamado comércio informal, que além de responder a um inquestionável problema social – que exige políticas públicas de enfrentamento – também atende a uma atividade econômica subterrânea, feita de produtos contrabandeados e de origem duvidosa, o que caracteriza ação duplamente questionável: a de atividade comercial ilícita e a de apropriação do espaço público.

Além da Sete de Setembro, que se abre como uma janela que areja o espaço urbano central do Recife, há muito, ainda, por se fazer em outras ruas e avenidas centrais, o que exige a coragem que foi demonstrada neste primeiro ato e, sobretudo, o apoio de toda a população, que vê, assim, a possibilidade de ter de volta o Centro de sua cidade.

Nunca será demais insistir que essa degradação que agride a estrutura urbana de uma das mais belas cidades do Brasil não é de hoje, de alguns dias ou anos atrás.

Em pelo menos um dos seus aspectos mais visíveis – o comércio ambulante que se espalha como praga e sem controle –, tem registros no começo do século 19, quando aqui esteve o governador português para combater o movimento revolucionário de 1817.

Ele relatou à corte, em Lisboa, que estava trabalhando para acabar com a desordem dos ambulantes.

E, como todos estamos cansados de saber, não acabou.

Depois dele, o Recife editou várias leis regulando o comércio ambulante e o que vemos hoje é o agravamento diário do problema, a ocupação desordenada e progressiva do espaço coletivo.

O que fazer diante da mobilidade social que esvazia os campos e incha as cidades?

Encontrar as respostas, com urgência, é fundamental para que a outra parte da população, a quase totalidade, tenha de volta sua cidade, com o mínimo de qualidade de vida desejável.

Pode-se perguntar se em algum momento o Recife teve essa qualidade de vida e a resposta será positiva, sem ter que se buscar muito tempo atrás.

No começo da segunda metade do século passado, não havia a invasão dos espaços urbanos pelos camelôs, nem miseráveis dormiam nas calçadas.

A cidade dobrou de habitantes, cresceu e se modernizou em alguns bairros e o Centro entrou em um processo de decadência que pode ser expresso, até mesmo, pelas antigas ruas residenciais que viraram corredores-fantasmas, apenas passagem para o trânsito e com casas em ruínas. É possível mudar esse cenário havendo tantos outros desafios?

Entendemos que sim, e um passo decisivo acaba de ser dado.

E é muito bom ouvir da prefeitura que se trata de um processo irreversível e em ampliação.