Ivan Marsiglia, no Estadão Nas últimas milhagens da era Celso Amorim no Ministério das Relações Exteriores é tempo de avaliar os oito anos da diplomacia Lula, um período de ampliação da visibilidade brasileira no mundo, mas também de polêmicas que aterrissaram nos noticiários internacionais.

A última delas aconteceu na semana passada, quando o Brasil se absteve de votar uma resolução das Nações Unidas que pedia o fim dos apedrejamentos e da perseguição a minorias étnicas, jornalistas e advogados no Irã.

Para o embaixador Sergio Silva do Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e ex-porta-voz do presidente Fernando Henrique Cardoso, o País adota uma política de dois pesos e duas medidas em seu posicionamento internacional. “A teoria da não ingerência serve para o Irã, mas não para Honduras”, exemplifica.

Atual diretor do Centro de Estudos Americanos da Faap e consultor internacional da Fiesp, Amaral admite que o País aumentou significativamente o volume de suas exportações para o mundo, mas considera que “não há nenhuma comprovação de que essa expansão tenha se dado por quaisquer acordos que assinamos”.

A seguir, trechos da entrevista.

De FHC a Lula “Houve linhas de continuidade, como a prioridade para a integração sul-americana, e linhas de descontinuidade, como uma valorização excessiva de afinidades ideológicas.

E há uma diferença clara em relação a resultados: institucionalmente, o Mercosul fez poucos avanços no atual governo.

O que existiu foi um maior ativismo diplomático.

O Brasil teve uma presença maior no cenário internacional, o que é positivo.

Temos hoje um peso muito maior do que tínhamos antes.

O que é criticável é que esse ativismo não levou a resultados concretos.

Nós não fizemos acordos comerciais relevantes e não conseguimos ver aprovadas as candidaturas que apresentamos em foros internacionais.

Fizemos uma campanha enorme por uma vaga no Conselho de Segurança da ONU e o resultado agora é o possível apoio dos EUA à candidatura da Índia.

Dois pesos, duas medidas “Um dos temas mais discutidos das relações internacionais é o equilíbrio entre dois princípios.

Um deles é o da autodeterminação dos povos, pelo qual os assuntos internos de cada país cabem apenas a ele e não se justifica a ingerência externa.

Outro, os direitos e princípios universais, como a democracia e os direitos humanos.

A política externa tem que refletir os valores e os interesses da sociedade brasileira e isso não está acontecendo no caso do Irã, por exemplo.

Se fôssemos mesmo adeptos da teoria da não ingerência, não se justificaria a presença que tivemos em Honduras, onde permitimos que um presidente deposto fizesse mobilização do terraço da Embaixada do Brasil.

Aplicamos princípios de uma forma que vale para um e não vale para outro.

O argumento de que em vez de votar resoluções da ONU é melhor manter um ‘diálogo’ pelos canais diplomáticos até agora não mostrou nenhum resultado concreto – nem no Irã nem em Cuba.

A busca de uma presença maior no cenário internacional foi levada a um exagero e o País se engajou em uma agenda distante de nossos valores e interesses.

Progresso, pero no mucho “Houve, de fato, uma expansão significativa do comércio exterior brasileiro, mas não há nenhuma comprovação de que tenha se dado por quaisquer acordos que assinamos. É preciso ver as taxas de crescimento das exportações não apenas em termos absolutos, mas relativos.

Em relação à África, o porcentual de nosso comércio com aquele continente continuou entre 5% a 6% do total.

Em relação ao Mercosul, se em números absolutos houve expansão positiva, em termos relativos elas caíram de 16% para 10%.

E o problema não se restringe ao comércio: o bloco está paralisado porque não há uma visão de convergência com nossos vizinhos, nem avançaram como deveriam os projetos de integração da infraestrutura física.

A incógnita Dilma “Não é o Itamaraty quem fixa a política externa, é o presidente da República.

E estamos vindo de uma sequência de líderes com presença clara e forte na condução das relações internacionais: FHC e Lula. É ainda uma incógnita qual será o apetite da presidente Dilma Rousseff pelas questões internacionais.

Após a definição de quem será o novo ministro das Relações Exteriores será possível começar a fazer essa avaliação.