Por: PedroEugenio Economista e deputado federal (PT-PE) Liberdade, igualdade e fraternidade, os três princípios basilares da constituição do Estado moderno, nem sempre tem caminhado juntos.

Acabo de ler uma coletânea, organizada pelo professor italiano Antonio Maria Baggio (O Princípio Esquecido/ 1, Editora Cidade Nova, 2008) no qual é ressaltada a importância da fraternidade como elemento agregador aos dois outros princípios, mais difundidos e acreditados, mas ao mesmo tempo, tão tolhidos historicamente desde a formulação trinitária feita no bojo da Revolução Francesa.

Seria o desprezo conferido a este terceiro princípio que explicaria as atribulações sofridas, ao longo dos mais de trezentos anos que nos separam da revolução citada, pelos dois princípios mais perseguidos pela ação política da sociedade humana.

A liberdade tem tido, ao longo deste período, formidáveis avanços.

As democracias hoje predominam no cenário mundial.

Entretanto, olhando-se a liberdade conferida politicamente aos cidadãos destes mesmos países com as condições objetivas de exercê-la, não só no plano político, mas no social e econômico, verifica-se quão distante ainda se está do momento em que a mesma possa ser declarada predominantemente reinante sobre a face da Terra.

Falta-lhe o dom da igualdade, conclui-se facilmente.

Desiguais não podem usufruir de uma liberdade jurídica declarada, pois que estão impedidos pelas limitações culturais, sociais e econômicas que os mantêm presos a grilhões imateriais, mas muito concretos.

Além desta limitação, presente nos territórios dos países de menor desenvolvimento, há de se ressaltar a armadilha na qual as democracias ocidentais, a norte-americana e as europeias, caíram: sistemas democráticos bem estruturados a governar massas alienadas dos seus direitos de participação efetiva nos processos políticos à luz dos interesses da humanidade!

Pois o foco que se lhes dá a política do dia a dia é o da defesa de seus umbigos, inclusive dos interesses xenófobos que levam tão frequentemente a ações de massa hostis a imigrantes e a minorias de cidadãos residentes de origem africana, latina e asiática.

Procurar-se, neste contexto, perseguir a igualdade é como mexer em um barril de pólvora com uma vela acesa. É grande o risco de se provocar uma explosão.

Pois a busca pela igualdade pressupõe a redistribuição de poder e riqueza e isto não se faz sem grandes conflitos.

Os regimes do chamado socialismo real foram como que tangidos para processos autoritários, altamente negadores da liberdade por terem tomado para si, ideologica e politicamente, a tarefa de promover a igualdade.

Seria que, então, a fraternidade, este princípio esquecido, se lembrado, ou mais ainda, se praticado, poderia cimentar os dois outros em uma ação política nova, capaz de construir, concretamente uma também nova sociedade humana, verdadeiramente democrática, igualitária e fraterna?

Mas como?

Um dos ensaios da coletânea, da doutora Daniela Ropelato, dedica-se à questão da participação popular nas decisões de governo, como forma concreta de se praticar a fraternidade, a um só tempo construindo espaços de liberdade e fazendo convergir a vida das pessoas em direção a uma perseguida liberdade.

Acho excelente esta pista.

Dificílima, desafiadora ao extremo, mas a única que me parece factível de ser concretamente implementada no plano político, que é onde as coisas efetivamente acontecem.

Tomemos então esta pista como desafio, e façamos aqui um pequeno laboratório experimental de como poderíamos exercitar socialmente nossa solidariedade.

Seja o transporte público de passageiros.

Nossas metrópoles estão hoje sofrendo do mesmo mal que já vitima São Paulo há vários anos, talvez décadas: engarrafamentos estupendos fazem que todos – os que andam de ônibus e os que andam de carros – passem horas no trânsito.

Nas cidades que têm metrôs, estes não dão conta da demanda.

Foram construídos tardiamente e esbarram com sua pouca abrangência territorial.

Para solucionar o caos, teríamos de promover uma mudança profunda no nosso modelo de transporte público de passageiros.

Formular planos integrados de transporte público de passageiros em nossas metrópoles que punissem com pesadas taxas o acesso de carros particulares a áreas com maiores fluxos de entrada de pessoas, criar vias exclusivas para o transporte coletivo e expandir ao máximo os metrôs ou transportes de massa equivalentes.

Bem, esta é uma solução muito cara, que para ser implementada demandaria muitos recursos públicos.

Além disso, é solução que contraria os interesses da mais poderosa de nossas indústrias, a automobilística, e ainda se choca com os dos detentores de carros particulares, o que incluem ricos e extratos superiores da classe média.

Se aplicado tal plano, ao fim e ao cabo ter-se-ia mais igualdade (todos com boa mobilidade urbana) e mais liberdade (todos com menos restrições de tempo para fazer o que quer que queiram).

Mas para isso todos os perdedores iniciais (já que no final do jogo todos ganham) teriam de estar tomados por profunda solidariedade aos que mais penam nos engarrafamentos dentro de ônibus ou trens superlotados.

Estes, por sua vez, não detêm meios organizativos que lhes permitam mobilizar-se em defesa de seus interesses.

Quem, dos que têm carro particular, se habilita a apoiar, com profundo senso de fraternidade, esta causa?