Por MARCO ANTONIO VILLA, na Folha de São Paulo deste sábado Quarenta e quatro porcento do eleitorado disse não à presidente Dilma.

Ela entendeu o recado das urnas.

Mas, curiosamente, a oposição fez ouvidos de mercador.

Ao invés de imediatamente iniciar a discussão de um projeto alternativo, simplesmente desapareceu do cenário.

Continua tão desarticulada como nos últimos oito anos.

Isso apesar dos vários esqueletos que estão saindo do armário governamental, especialmente o megaescândalo envolvendo o rombo bilionário do banco PanAmericano.

Com uma base de dez partidos -e com vários parlamentares oposicionistas sedentos para aderir ao governo-, o maior problema de Dilma será administrar a voracidade dos seus apoiadores.

Todos se julgam credores da vitória.

E exigem uma parte do botim, como piratas de um velho filme B. É sabido que o PMDB não passa de uma federação de caciques estaduais.

A divisão do partido é, por estranho que pareça, a sua força.

Um dos seus segredos é nunca punir os dissidentes.

Dessa forma, mantém enorme poder de barganha para negociar com o detentor do Executivo federal.

Sempre apresenta uma força maior do que efetivamente tem.

Blefa como qualquer jogador.

E, algumas vezes, vence.

O partido atual não tem qualquer relação com o velho MDB/PMDB liderado pelo dr.

Ulysses.

Aquele foi fundamental na luta pela redemocratização.

Tinha princípios políticos, lideranças expressivas e reconhecidas pela integridade moral.

Foi considerado pelo PT, na época, o seu principal adversário.

O PMDB de 2010 é muito diferente: é o mais destacado representante do saque organizado do Estado.

Precisa controlar ministérios e empresas estatais para sobreviver. É um dependente crônico do fisiologismo.

Curiosamente, com este PMDB, de Renan Calheiros, Jader Barbalho e José Sarney, o PT se relaciona bem.

A divisão do partido também está presente no Congresso.

Lá, há o PMDB da Câmara e o do Senado.

Cada um deles tem seus líderes e seus interesses, para dizer o mínimo, pouco republicanos.

Assim, o PMDB é mais um ajuntamento de políticos que um partido político. É um grave equívoco imaginar que o PMDB possa ser um anteparo ao autoritarismo tão presente em algumas frações do PT.

A preocupação do partido não é com a proteção das liberdades públicas.

Isso foi no passado.

Hoje, o interesse central dos seus dirigentes é a manutenção dos seus negócios.

E, para eles, será até preferível, dentro dessa lógica perversa, criar dificuldades, por exemplo, à liberdade de imprensa.

Afinal, é na imprensa que são sistematicamente denunciadas suas mazelas.

O anúncio da tentativa da formação de um “blocão” na Câmara foi só a primeira demonstração de que o PMDB vai ser para a presidente Dilma uma pedra no sapato.

Certamente, muito maior do que a oposição.

Para os peemedebistas, governabilidade significada transacionar, colocar o erário à seu serviço.

Basta ler o noticiário dos últimos dias para confirmar essa tese.

Em nenhum momento foi invocada algum razão programática.

Todas as vezes a referência foi sobre o tamanho do orçamento do ministério ou da empresa estatal.

Em qualquer país sério, seria considerado um escândalo; no Brasil, como um sinal dos tempos sombrios em que vivemos, é considerado algo absolutamente natural.

Não será estranho a ocorrência de uma crise entre o PMDB e a presidente logo nos primeiros meses de governo.

Dilma não tem o cacife e a experiência de Lula.

Vai ser testada a todo momento.

E, triste reconhecer, deverá ser a única chance da oposição.

Assim como no mensalão, quando a própria base criou a maior crise do governo Lula.

MARCO ANTONIO VILLA, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSCar. É autor, entre outros livros, de “Breve História do Estado de São Paulo” (Imprensa Oficial).