Renato Lima, no site Opinião e Notícia CHAMPAIGN, IL (EUA) – Já não se pode falar em eleições nos Estados Unidos sem incluir uma força até pouco tempo inusitada: o movimento Tea Party.
O nome remete à festa do chá de Boston, nos Estados Unidos de 1773 pré-independência, em que pessoas destruíram carregamentos de chá inglês devido ao imposto cobrado sem a contrapartida de representação política.
Séculos depois, um grupo de americanos começou a achar que o governo cresceu demais, cobra imposto demais e é gerido por políticos profissionais que não representam o interesse de um americano médio trabalhador.
O Tea Party é um movimento, não uma organização única com presidente, diretores e secretários. É como um MST do liberalismo clássico nos Estados Unidos.
Assim como o MST brasileiro, o Tea Party não é um partido, congrega diversos apoios, tem sua bandeira, militância e atua de forma descentralizada.
Só que com uma diferença vital: o Tea Party é legalista, enquanto o MST, como todos sabem, não está muito preocupado com direito de propriedade e odeia a economia de mercado.
O legalismo do Tea Party está em tentar uma mudança pela pressão de suas ideias e demonstrações e pelo respeito à Constituição Americana, um documento exemplar no limite do crescimento do Estado.
Por um lado, o Tea Party é “contra tudo isso que está aí”, porque seus apoiadores não confiam nos republicanos (que, como no governo Bush, fez novamente o custo do governo aumentar e salvou empresas falidas com dinheiro dos impostos) e têm horror ao que chamam de políticas socialistas de democratas como Obama, como a reforma do sistema de saúde para atingir a universalização compulsória.
Só que na política americana um terceiro partido nunca conseguiu se consolidar e os líderes do Tea Party ficaram divididos.
Deveriam partir para criar um novo partido ou tentar conquistar o Partido Republicano por dentro, este que pelo menos da boca para fora defende governo limitado e impostos baixos?
Bem, por aqui nos Estados Unidos, como cada candidato tem que passar pelas primárias, é possível que um estreante desafie o cacique partidário.
E se o estreante tiver mais votos na base do seu partido, poderá ser oficializado como candidato.
Foi isso que o Tea Party fez.
Líderes identificados com a causa Tea Party se apresentaram como candidatos no partido republicano.
A primeira vitória veio de Massachusetts com o senador Scott Brown, que conseguiu ganhar a vaga aberta com a morte do esquerdista Ted Kennedy.
Na recente eleição de meio termo neste mês de novembro, a palavra Tea Party estava em quase todas as coberturas políticas.
O motivo?
Candidatos apoiados pelo movimento tiveram ou vitórias surpreendentes, como o libertário Rand Paul, eleito senador em Kentucky, ou chegaram muito perto, como Sharron Angle, que quase abateu o líder de Obama no Senado, o democrata de Nevada Harry Reid.
Até uma caravana do Tea Party foi criada durantes eleições, indo de cidade a cidade apoiar os seus candidatos preferidos (uma lista parcial de candidatos que receberam apoio do The Tea Party Express pode ser conferido aqui.
E com isso os grupos do Tea Party ajudaram a fazer mais cadeiras parlamentares e a derrubar a presidente da Câmara dos Deputados, a deputada pela Califórnia Nancy Pelosi, vista como a arquiteta da agenda de reformas “progressistas” dos democratas.
A vitória do Tea Party provocou desconforto até dentro do Partido Republicano.
Os deputados apoiados pelo movimento – pelo menos até agora – dizem não estar dispostos a praticar a política tradicional de Washington, com acordos de compromisso entre as partes e negociações em que todos cedem.
Se depender da bancada Tea Party, o governo americano não aumenta impostos, corta gastos para diminuir o déficit galopante e não aprova uma nova legislação ambiental de mudanças climáticas, que provocaria mais custos para a indústria.
Ainda não dá para saber a força que o Tea Party terá daqui para a frente, quando terá que sair da oposição genérica ao tamanho grande do governo para a difícil prática de apontar onde deve ser cortado.
Mas o crescimento do movimento e o consequente resultado das eleições deste mês mostram que é possível, mesmo numa estrutura que aparecia fechada como o bipartidarismo americano, o surgimento de um movimento conservador revolucionário.
A lição é que quem não se sente representado na política deve se organizar e ganhar visibilidade.
Ficar em casa e repassar e-mails falando mal do governo e dos altos impostos vai ter efeito zero. É preciso sair da zona de conforto e lutar pelo que acredita, e isso demanda visibilidade, como a capacidade de mobilizar milhares de pessoas para protestar em praças e audiências públicas.
Como escreveu Kate Zernike no livro “Boiling Mad – Inside the Tea Party America”, o Tea Party combina técnicas de gerenciamento organizacional com táticas de protesto de esquerda.
Para isso, vale até ler livros sobre táticas de recrutamento usadas pelo Partido Comunista.
Só que para uma causa bem diferente, a liberdade individual e baixos gastos governamentais, o que os líderes do movimento habilmente sabem mostrar como esses fatos se conectam com a vida do cidadão americano. “O gasto de hoje são os impostos de amanhã.
Toda vez que o Tea Party estiver protestando contra gastos ele está olhando para o longo prazo e protestando contra aumento de impostos no futuro.
Impostos mais altos degradam a qualidade de vida, deixando os cidadãos com menos escolhas e sonhos”, pregam Dick Armey e Matt Kibbe, autor de um recente livro sobre o Tea Party, “Give us liberty – a Tea Party manifesto”.