Por Marco Antônio Villa, no site Rema Muitos temas ficaram fora da agenda eleitoral deste ano.
A discussão sobre o semiárido nordestino certamente foi um deles.
Temos o semiárido mais populoso do mundo.
A maior parte dos seus habitantes vive próximo da miséria.
Seus municípios sobrevivem de duas fontes: a aposentadoria rural e o Bolsa Família, que injetam recursos que são fundamentais para movimentar o comércio.
Não há economia local.
A produção de alimentos mal dá para a subsistência.
Os rendimentos de agricultura e pecuária são desprezíveis.
Nos oito anos da Presidência Lula nada foi feito na região.
E não faltaram instrumentos como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Nordeste, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas ou a Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste.
O Nordeste saiu de moda.
E faz tempo.
No pré-64 era tema constante em qualquer roda política.
Ligas Camponesas, reforma agrária, Sudene eram temas recorrentes.
No cinema, música, teatro e literatura, lá estava o Nordeste seco e suas mazelas.
Durante o regime militar a região continuou em pauta.
Várias medidas foram adotadas, como os incentivos fiscais.
Com a redemocratização, a região foi caindo no esquecimento.
E nos últimos tempos desapareceu do debate político nacional.
Nem os velhos setores da esquerda falam do sertão.
Até o MST centrou suas ações longe de lá.
A Amazônia acabou ocupando o espaço que foi durante décadas do Nordeste.
Saiu do noticiário o latifúndio improdutivo e entrou o meio ambiente.
Basta acompanhar as discussões do Congresso Nacional.
Vários temas polêmicos envolvem a Amazônia; já o Nordeste ficou esquecido, como se tivessem sido resolvidos, ou, ao menos, encaminhadas as soluções, os seus problemas seculares.
E seus representantes?
As velhas oligarquias continuam firmes e fortes.
E ainda ficaram mais poderosas nos últimos 8 anos.
Os órgãos e as agências estatais que atuam na região foram entregues aos oligarcas.
São excelentes cabides de empregos e de bons negócios.
Fortaleceram ainda mais seus interesses de classe.
Por outro lado, os sertanejos estão abandonados e cada vez mais dependentes dos oligarcas e de seus instrumentos de dominação, especialmente o Bolsa Família.
A maioria das cidades do semiárido tem mais de 60% dos seus habitantes recebendo o benefício.
Mal conseguem se alimentar e não têm nenhuma perspectiva de futuro.
Canudos, no Nordeste da Bahia, é um bom exemplo. É conhecida devido à guerra de 1896-1897 e ao maior clássico brasileiro, “Os sertões”, de Euclides da Cunha.
Hoje, o município tem pouco mais de 15 mil habitantes, dos quais 2.461 famílias são beneficiárias do programa.
Ainda cerca de 500 estão cadastradas e aguardam a sua vez: são um excelente instrumento eleitoral com promessas de que irão fazer parte da lista de pagamentos do programa.
As famílias já beneficiadas ficam à mercê do dirigente local: permanecem recebendo o benefício se apoiarem o oligarca local.
E como cada família sertaneja, em média, não tem menos que cinco pessoas, hoje representam cerca de 12 mil pessoas, cerca de 80% da população.
No município não há nenhum trator, porém tem 473 motos.
A dependência dos recursos da União ou do governo estadual é absoluta.
Basta ver que o imposto territorial rural recolhe aos cofres municipais pouco menos de 5 mil reais; já do Fundo de Participação dos Municípios recebem 8 milhões.
Dos 15 mil habitantes, pouco mais de 600 são assalariados, e o PIB per capita é de 2.700 reais.
Em 2006, no segundo turno da eleição presidencial, Lula obteve 5.768 votos, e Alckmin, 1.621, isto de um total de 7.389 votos válidos.
Quatro anos depois, em um universo um pouco maior, de 7.481 votos válidos, Dilma saltou para 6.454, e Serra recebeu apenas 1.027, isto sendo um político muito mais conhecido na cidade, pela atuação no Ministério da Saúde, do que Alckmin.
Se nas esferas municipal e estadual mantiveramse os políticos tradicionais, na eleição presidencial o fortalecimento do domínio petista é inconteste.
E o quadro de Canudos repete-se em centenas de municípios do semiárido.
Foi forjada uma sólida aliança entre o petismo federal e as oligarquias, transformando a população da região em celeiro de votos para os candidatos governamentais.
Se nos últimos anos os indicadores sociais tiveram leve melhora, a sociedade local continua petrificada.
Os mandões locais continuam tão poderosos como antes.
O potencial de revolta foi domado pelos programas assistencialistas. É como se a roda da história não se movesse.
E, para piorar o quadro, o Brasil virou as costas para o Nordeste.
PS: Marco Antonio Villa é historiador e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP).