Liana Verdini, no Correio Braziliense A reunião de cúpula do G-20, grupo que reúne as 19 maiores economias e a União Europeia, começou mergulhada em um clima tenso, sem um consenso prévio sobre o que fazer para o mundo voltar a crescer.

Em meio ao bombardeio de críticas às políticas cambiais dos Estados Unidos e da China, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva primeiro atacou para depois contemporizar.

Em entrevista coletiva no fim da tarde em Seul, capital sul-coreana, Lula propôs que o dólar deixe de ser a moeda de referência para as reservas e o comércio internacional e exigiu mais consumo por parte dos países ricos. À noite, no jantar de trabalho dos chefes de Estado e de governo, no Museu Nacional da Coreia, disse que todos precisavam recuperar o espírito de cooperação e solidariedade existente no primeiro encontro do G-20, há dois anos.

Era uma tentativa de diminuir as tensões, infladas ao longo do dia com tantos interesses contrariados no comércio internacional.

Por trás de tudo está a chamada guerra cambial, que torna os produtos em dólar e em iuan mais competitivos do que os dos demais países, desequilibrando as balanças comerciais.

Nesse primeiro dia de cúpula com agenda oficial somente à noite, os líderes aproveitaram para manter encontros bilaterais.

O mais aguardado foi a reunião entre o presidente norte-americano, Barack Obama, e o chinês, Hu Jintao.

Os EUA tentam barrar a enxurrada de mercadorias da China em seu mercado.

Para Obama, está havendo “progresso” nas discussões econômicas.

Hu Jintao fez coro com o presidente norte-americano sobre a disposição para a cooperação.

Logo, porém, a realidade se mostrou mais forte.

Segundo um porta-voz chinês, o presidente de seu país disse a Obama que a reforma do iuan acontecerá “de forma inevitável”, mas que será preciso um “entorno externo muito favorável” e que só poderá ser aplicada em um processo gradual.

Depois, foi a vez de um encontro com a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, que expressou sua preocupação com a decisão recente do Federal Reserve (Fed, o Banco Central dos EUA) de injetar US$ 600 bilhões na economia.

Obama, por sua vez, disse a Merkel que quer ver mais consumo doméstico na Alemanha, o que favoreceria as vendas norte-americanas.

Na reunião, a premiê destacou que não considera útil estabelecer metas para as contas externas dos países.

No fim, os dois concordaram que os desequilíbrios têm de ser discutidos para o bem de todos, mas com base em um amplo espectro de indicadores.

Cobrança Enquanto Obama se fechava em encontros bilaterais, Lula chegava à Coreia do Sul no início da tarde e afiava seu discurso para cobrar providências aos países ricos.

Logo após se reunir com o presidente sul-coreano, Lee Myung-bak, o brasileiro falou aos repórteres.

Para ele, os países ricos devem estimular o consumo interno, como fizeram os emergentes, pois, incentivando apenas as vendas externas como forma de sair da crise, a economia global quebraria. “Se os países mais ricos não consumirem a contento e se quiserem apostar apenas nas exportações, o mundo vai à falência.” O presidente do Brasil afirmou que “dialogar é melhor do que brigar”.

E acrescentou: “Num mundo globalizado, e cada vez mais interdependente, não podemos mais deixar que um país tome uma decisão unilateral sem pensar nas consequências para os demais países”. “Todo mundo quer ganhar mais com mais exportação.

E não é possível apostar apenas nisso”, completou. “Os países emergentes não suportam ser responsáveis pelo consumo e pela produção ao mesmo tempo.” Consultado sobre a alternativa de uma cesta de moedas para substituir o dólar como padrão internacional, Lula disse que o Brasil trabalha nessa possibilidade com China, Rússia e Índia. “Desde o ano passado, estamos discutindo no Bric (Brasil, Rússia, Índia e China) para fazer comércio em nossas moedas.

Isso é fácil de falar, mas estamos tão acostumados a trabalhar com o dólar que há medo de fazer algo novo”, afirmou. “Mas o dólar não pode continuar sendo uma moeda de referência se é feito por apenas um país.

Tem que haver outras possibilidades de referência.” Para o economista Rogério Sobreira, da Fundação Getulio Vargas, as propostas brasileiras são de difícil adoção. “O consumo nos países ricos não aumenta porque as pessoas temem fazer novas dívidas e os governos estão sem capacidade de gastar.

Só resta induzir o consumo baixando os juros”, explicou.

O uso de outras divisas como padrão é ainda mais difícil, avaliou. “A moeda de referência dá muito poder ao país emissor.

E os Estados Unidos devem resistir a essa perda de espaço.”