Por Angelo Lunardi Em tempos pretéritos, tempos de escassez de divisas, tudo era proibido.

Proibido viajar, por conta dos limites impostos para compra de moeda; proibido comprar produtos de informática, por conta de uma reserva de mercado; proibido comprar máquinas e equipamentos sem financiamento de longo prazo; proibido importar produtos de uma lista de mais de 3.000 itens etc.

Tempos difíceis.

Uma legislação cambial jurássica e anacrônica.

Por exemplo, um Decreto nº 23.258/33, de Getúlio Vargas!

Décadas passaram-se, tempos de vacas magras, até que com a virada do milênio o Brasil mudou, o mundo mudou.

Conseguimos, inclusive, resistir à última crise mundial!

A partir do novo Regulamento de Câmbio, o RMCCI, o Banco Central do Brasil - a quem cabe executar a política cambial do governo - passou a se preocupar com princípios e não mais com procedimentos: “As pessoas físicas e as pessoas jurídicas podem comprar e vender moeda estrangeira ou realizar transferências internacionais em reais, de qualquer natureza, sem limitação de valor, sendo contraparte na operação agente autorizado a operar no mercado de câmbio, observada a legalidade da transação, tendo como base a fundamentação econômica e as responsabilidades definidas na respectiva documentação.” (RMCCI-1-1-3) Isso, na prática, vale dizer que qualquer operação da espécie pode ser realizada, desde que observados - pelos agentes autorizados e seus clientes - alguns princípios básicos.

Em primeiro lugar, observar que as operações somente podem ser realizadas por meio de agentes autorizados a operar em câmbio, tais como bancos múltiplos, bancos comerciais, caixas econômicas, bancos de investimento, bancos de desenvolvimento, bancos de câmbio, agências de fomento, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, sociedades distribuidoras de títulos e valores mobiliários e sociedades corretoras de câmbio.

Em segundo lugar, observar a legalidade da operação, verificando a existência de codificação própria na “Codificação de Operações de Câmbio”, listada no RMCCI-1-8 e, em especial, assegurar-se da legalidade da operação subjacente, aquela que dá base à operação de câmbio.

Assegurar-se de que existe uma justificativa econômica lícita e que não fere qualquer dispositivo da legislação e regulamentação nacional.

Não basta, por exemplo, saber que remessas a título de “Lucros e Perdas em Transações Mercantis com o Exterior” são permitidas. É indispensável demonstrar a existência de tais lucros e perdas.

Em terceiro lugar, diz o Regulamento de Câmbio, é necessário que as responsabilidades das partes estejam definidas na respectiva documentação.

Isso quer dizer que as operações devem ter respaldo documental, como também prevê o RMCCI-1-6: “A realização de operações no mercado de câmbio está sujeita à comprovação documental”.

Por “responsabilidades das partes”, deve ser entendido como a inequívoca identificação do legítimo credor e do legítimo devedor a quem os recursos devem ser pagos ou de quem eles devem ser recebidos.

Assim, como regra, uma importação brasileira só pode ser paga pelo importador e os recursos somente podem ser remetidos ao seu legítimo credor externo.

Da mesma maneira, somente o exportador brasileiro poderá receber os recursos de sua exportação e desde que tenham sido pagos pelo importador estrangeiro.

E ainda no que respeita os documentos, o RMCCI também destaca que “as transferências de recursos de que trata este Regulamento implicam para o cliente, na forma da lei, a assunção da responsabilidade pela legitimidade da documentação apresentada ao agente autorizado a operar no mercado de câmbio”.

Respeitados esses princípios básicos, “é facultada a liquidação, no mercado de câmbio, em moeda estrangeira equivalente, de compromissos em moeda nacional, de qualquer natureza, firmados entre pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País e pessoas físicas ou jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no exterior, mediante apresentação da documentação pertinente”.

Também “é permitido às pessoas físicas e jurídicas residentes, domiciliadas ou com sede no País pagar suas obrigações com o exterior: a) em moeda estrangeira, mediante operação de câmbio; b) em moeda nacional, mediante crédito à conta de depósito titulada pela pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no exterior, aberta e movimentada no País nos termos da legislação e regulamentação em vigor; e c) com utilização de disponibilidade própria, no exterior, observadas, quando for o caso, disposições específicas…”.

Mas, apesar de toda essa liberdade, clientes reclamam que muitas vezes têm dificuldade para realizar certas operações.

Parece que os bancos “complicam”, dizem.

Não, eles não complicam. É que o RMCCI determina que “os agentes autorizados a operar no mercado de câmbio devem certificar-se da qualificação de seus clientes, mediante a realização, entre outras providências julgadas pertinentes, da sua identificação, das avaliações de desempenho, de procedimentos comerciais e de capacidade financeira,…”.

Enfim, liberdade com responsabilidade!

Isso é cidadania.

PS: Ângelo Lunardi é professor da Aduaneiras, consultoria de comércio exterior