Por Marcia Bastos Balazeiro Muito se discutiu durante o processo eleitoral acerca da necessidade de garantia da liberdade de imprensa e do acesso à informação.

Não é à toa que, em suas primeiras declarações, a recém eleita presidente do Brasil, Dilma Rousseff, fez questão de ser contundente afirmando considerar um acinte qualquer controle dos meios de comunicação.

E mais, disse que o único controle admissível “é o controle remoto na mão do telespectador”.

Esperamos que assim seja!

O Brasil de hoje não admite retrocessos em suas conquistas democráticas.

Nesse aspecto, necessário se faz sublinhar que a liberdade de imprensa está insitamente relacionada ao livre acesso à informação, inclusive aquela produzida pelo Poder Público no período da ditadura militar (1964 a 1985), conhecido como os “anos de chumbo”.

Ocorre que, apesar da ditadura ter terminado há 25 anos no Brasil, um fato trazido à lume essa semana demonstra que persiste o sigilo em face de seus arquivos.

Com efeito, segundo Carlos Fico e Jessie Jane, professores do Departamento de História da UFRJ, o Arquivo Nacional, órgão central do Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos, da Administração pública federal, que reúne milhões de páginas sobre o mencionado período da história do Brasil, tem vetado a consulta de pesquisadores, jornalistas e demais interessados a tais documentos.

A denúncia dos historiadores aos meios de comunicação se deu após uma aluna de Carlos Fico, do curso de doutorado, Adrianna Setemy, ter solicitado uma pesquisa no acervo e ter negado seu pedido, sob a alegação de que somente após as eleições o acesso lhe seria permitido.

Indignados, os professores Carlos Fico e Jessie Jane, principais integrantes do projeto do Arquivo Nacional denominado “Memórias Reveladas”, criado exatamente para divulgar os citados arquivos, pediram sua imediata demissão, alegando que o projeto praticamente não teria evoluído, sendo este fato a gota d´água para sua decisão.

Ao que tudo indica, o Arquivo Nacional teme ser responsabilizado judicialmente a depender do uso que possa ser feito do citado material.

Vale lembrar, no entanto, que é dever do Estado, oriundo da Constituição Federal de 1988, assegurar a todos o acesso à informação produzida pelo Poder Público, tanto de interesse particular como de interesse coletivo ou geral (incisos XIV e XXXIII, do art. 5º).

Além disso, é assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (inciso X, do art. 5º da CF, de 1988).

Acrescente-se que o Brasil é uma democracia, sendo condição para a manutenção do estado democrático de direito e para a memória pública, o conhecimento pleno dos fatos e processos da história do país.

Injustificável, portanto, que instituições arquivísticas passem a definir e interpretar o que possa ou não por em risco a intimidade, a honra, a imagem e a vida privada das pessoas nas informações contidas nos documentos sob sua guarda.

Ademais, é um dos direitos fundamentais do homem “procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras” (artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, em dezembro de 1948).

Por derradeiro, o relatório da Comissão de Direitos Humanos da ONU aponta que “toda e qualquer pessoa tem o direito de conhecer a verdade sobre eventos passados e sobre as circunstâncias que levaram a uma violação sistemática e geral dos direitos humanos e ao cometimento de crimes odiosos” e que “o exercício efetivo e completo do direito à verdade é essencial para evitar a ocorrência de violações semelhantes no futuro”.

Não podemos compactuar com a censura às memórias de nosso país.

Necessário se faz que os brasileiros conheçam os documentos incógnitos da ditadura militar no Brasil, inclusive os que dizem respeito à militância política da presidente eleita.

A garantia do direito de acesso a informações públicas é um mecanismo de consolidação dos regimes democráticos, indispensável ao exercício da cidadania.

PS: Marcia Bastos Balazeiro é promotora de Justiça, especialista e Mestranda em Ciências-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL)