Foto: Daigo Oliva/G1 Por Giovana Sanchez, do G1 Ela tem um olhar profundo e uma voz doce.
A aparência de Ingrid Betancourt engana: quem vê seu rosto delicado não diz que é a mesma mulher que ficou seis anos e meio vivendo na selva, presa como refém de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Dois anos depois de sua libertação pelo Exército, a ex-candidata à Presidência e mãe de dois filhos faz uma viagem por vários países para lançar seu livro de memórias: ‘Não há silêncio que não termine’.
Em sua passagem por São Paulo, ela falou ao G1 sobre política, vida pessoal e as lições que tirou do sequestro.
Disse ter gostado da eleição de Dilma Rousseff para a Presidência - cargo ao qual concorria, na Colômbia, quando foi sequestrada, em 2002. “Penso que é uma mulher muito complexa, que tem muitas facetas, obviamente de êxito profissional, mas também é uma pessoa que sofreu na ditadura, e portanto acho que deve valorizar infinitamente os direitos humanos e o valor da democracia.” Veja a entrevista com a franco-colombiana Ingrid Betancourt: G1 - Por que você decidiu escrever o livro só dois anos depois de sua libertação?
Ingrid Betancourt - Porque não pude escrever antes.
Não tinha a estabilidade emocional para sentar e escrever direto.
Comecei oito meses depois da minha libertação.
E me levou muito tempo para escrever, mais do que havia previsto.
Me tomou um ano e meio.
Então foi um processo longo e difícil.
G1 - Você mantém alguma relação com os outros reféns libertados?
Betancourt - Falo com praticamente todos.
Há um ou dois com quem não falei, mas falo muito frequentemente, quase todos os dias, com muitos deles.
G1 - Eles estão bem?
Passaram pelo mesmo processo que o seu?
Betancourt - Sim, estão bem.
Por processos um pouco diferentes, porque meus companheiros escreveram seus livros quando saíram, e eu decidi esperar passar um tempo, deixar decantar o que estava sentindo para poder ter mais perspectiva sobre o que queria escrever.
Eu ainda não tenho um lugar onde viver, ainda vivo de malas.
Eles já estão instalados, têm suas casas, suas vidas já organizadas.
G1 - Como é sua segurança?
Você faz algo que não fazia antes?
Betancourt - Digamos que há reflexos de segurança que adquiri.
Tenho mais consciência de quem está ao meu redor, trato de olhar quem está perto e reajo muito diretamente frente a eventos que não me parecem normais, digamos.
Não sei se é trauma ou se é prudência.
G1 - Como foi a relação com seus filhos na sua volta?
Você os deixou pequenos e os encontrou adultos…
Betancourt - Foi um choque, obviamente.
Um choque de felicidade, primeiro.
G1 - O que mudou na relação?
Betancourt - Tudo mudou.
Tudo mudou porque tinha filhos que levava ao colégio, comprava coisas no mercado, me encarregava que fossem para cama a certa hora, se estavam doentes tinha que chamar o médico.
Hoje em dia são adultos, então a vida é diferente.
Porque é um espaço que eles me concedem em suas vidas.
Digamos que no começo foi um pouco difícil para mim aceitar isso.
Que não era eu quem definia o tempo que estávamos juntos, mas eles.
G1 - E como está tudo agora?
Betancourt - Tem sido interessante, pois, no começo, voltar a criar o espaço para ser mãe em suas vidas foi algo que não foi evidente, porque eles viviam sem mãe, eles não tinham um espaço para uma mãe. […] Tinham a necessidade afetiva, mas na distribuição do tempo não havia espaço para mim.
Tive que voltar a construir esse espaço, a necessidade do diálogo, os reflexos de comunicação, e voltar a construir uma comunicação sã, […] em que pudéssemos nos ajudar e nos amar de uma maneira construtiva.
Havia momentos de conflito, porque tínhamos que nos sintonizar.
Me lembro por exemplo quando recebi o ‘Blackberry’ e pensei: bom, agora posso falar com eles o tempo todo.
E eles não me ligavam.
Eu ligava, mandava mensagem e eles não me respondiam.
Então um dia falei com Lorenzo e disse: ‘bom, eu queria que me ligasse umas duas vezes por dia para saber onde anda’.
Ele disse ‘não vou te ligar, não tenho tempo, estou com meus amigos, minha vida, tenho minha vida, não posso ficar te ligando’.
Isso para mim foi um choque muito duro.
E depois entendi que tinha razão.
A normalidade da relação é de que ele tenha sua vida e não ficasse pensando que teria que me ligar.
E me parece que isso é são, então é um processo de adaptação.
G1 - Por que você desistiu de ser política?
Com que deseja trabalhar agora?
Betancourt - Desisti da política na Colômbia, porque me parece que a política na Colômbia extrai o pior do ser humano, não o melhor.
E eu quero estar em contato com o melhor do ser humano.
G1 - E por que traz o pior?
Betancourt - Porque a política é uma luta de poder, e nessa luta os instintos básicos, e não os melhores, são os que afloram.
G1 - Mas isso é só na Colômbia ou em todos os lugares?
Betancourt - Creio que por todos os lados.
Na Colômbia está um pouco exacerbado por toda violência, pela corrupção.
Há um culto à mentira.
Há um grande cinismo.
E penso que também há uma complacência no ‘status quo’.
G1 - Por parte de quem?
Betancourt - Por parte da diligência, creio que não são sensíveis à dor alheia, e eu diria que de parte da população que vive numa bolha, os colombianos que vivem nas cidades, que vivem como na Europa ou nos EUA, com tudo o que necessitam, com acesso a tudo, um pouco como aqui em São Paulo.
Mas, na Colômbia se nega a existência dos que não têm.
E é muito particular com a Colômbia, porque vejo que nos outros países, por exemplo aqui há debate sobre o que está ocorrendo.
Mas na Colômbia, se alguém diz ‘há esses problemas’, imediatamente dizem que está falando mal do país, afetando sua imagem, fazendo mal à Colômbia.
G1 - E foi isso que aconteceu com você?
Betancourt - O que acontece comigo e com várias outras pessoas.
Mas acho que comigo a situação é pior ainda.
Porque creio que se deram condições nas quais houve uma explosão de ódio contra mim e me trataram como uma criminosa.
Não trataram Pablo Escobar como me trataram.
LEIA A ENTREVISTA COMPLETA AQUI