Não deixa de ser um sinal de amadurecimento político da jovem democracia brasileira, mesmo que por caminhos tortos.

Na última pesquisa Datafolha, sobre os motivos que levam o eleitor a votar na petista ou no tucano, Dilma Rousseff (PT) era vista como a continuidade.

O fato de ser mulher foi mencionado por apenas 8%, enquanto 2% apontam características como honestidade e credibilidade.

Dois terços dos eleitores (64%) que diziam votar em Dilma citam Lula, sendo que 49% afirmam que um dos motivos do voto é a expectativa de que ela irá manter as políticas do atual governo.

Mencionam o apoio de Lula como preponderante para a escolha da petista 19%.

No Nordeste, 26% votam nela por causa do apoio do presidente.

No caso de Dilma, 10% dos eleitores são atraídos à sua candidatura pelos atuais programas sociais do governo.

Nesse grupo, 6% especificam que desejam a continuidade do Bolsa Família.

O bom mesmo é que o próximo presidente herdará um país em que a manutenção da estabilidade da moeda e dos mecanismos de seguridade e inclusão social são objetivos inquestionáveis.

Sem sustos, ganhasse quem ganhasse.

Por mais que o presidente Lula negue e agrida o antecessor, ao longo dos últimos 16 anos, sob os governos de Fernando Henrique Cardoso e dele próprio, as principais correntes políticas alcançaram aos poucos consensos mínimos, que se mostraram benéficos para o conjunto da população.

Na campanha, mesmo a contragosto, o que se viu foi a adesão de Dilma e Serra aos pilares da política econômica adotados no segundo mandato de FHC: metas de inflação perseguidas com independência pelo Banco Central, realização de superavit fiscais para abater a dívida pública e câmbio flutuante.

Tudo que o PT e Lula pregavam contra antes de assumir o poder.

Com o cenário externo a favor e a casa arrumada em 16 anos, Dilma tem tudo para fazer um bom governo.

Mas torcendo para não haver sobressaltos na economia.

Ela, a economia, deu a liga para a imensa aliança vitoriosa a favor de Dilma.

Os eleitores mais pobres se beneficiaram um pouco do fim da inflação e se esqueceram que esta situação foi herdada por Lula.

Graças ao atacado modelo de economia FHC, o país roda a mais de 11% ao ano, em ritmo chinês.

Em abril passado tivemos o trimestre em que o Brasil mais cresceu em décadas.

No mesmo período, o aumento médio da renda per capita já retornava ao ritmo pré-crise de 2009.

Sem luz própria, Dilma subiu sempre no vácuo da popularidade de Lula.

Boa parte dos eleitores, especialmente no Nordeste, votam em quem Lula indicasse, o que acaba fazendo a diferença.

No entanto, o principal recado dos brasileiros nas urnas foi este.

Qualquer um que fosse eleito, com dois candidatos moderados, com divergências de grau, não se deve promover solavancos ou mudanças radicais.

Afinal, quais são as diferenças, no que tange às diretrizes políticas, entre Dilma Rousseff e José Serra?

Na TV e nos debates, a petista e o tucano não se deram ao trabalho de apresentar com antecedência documentos que merecessem o nome de programas de governo.

Os debates e a propaganda eleitoral, equivalentes em pasteurização e diversionismo, apenas contribuíram para aumentar a agressividade superficial da disputa.

O próprio Bolsa Família é um exemplo da convergência.

Dilma tem no programa de distribuição de renda um valioso instrumento para cumprir a difícil promessa de “erradicar a miséria” no Brasil.

Serra prometeu duplicar a abrangência do benefício-tarefa tampouco de fácil execução.

Outra coincidência importante foi a falta de propostas para as questões fiscais.

Os dois candidatos chegaram acenar com reduções de impostos, mas não deram sinal do que farão com as espinhosas questões das reformas tributária e da Previdência, deixadas de lado.

O nível de tributação no Brasil é um dos mais altos do mundo, com 40,5%, e a burocracia, com 85 diferentes impostos na última contagem, é astronômica.

Não houve uma discussão substantiva na campanha sobre diagnósticos e propostas dos dois candidatos.

O saneamento básico está no mesmo nível que era no momento da coroação de Lula.

Não quer dizer que não existem desafios.

A dívida pública do Brasil quase triplicou, e está prestes a explodir, devido às altas taxas de juros.

Não é só. 50 mil brasileiros morrem mortes violentas, a maioria causados por armas e drogas contrabandeadas para o país pelos terroristas marxistas das FARC, os aliados de Lula.

IBGE, a principal instituição de estatística no Brasil, acaba de lançar a informação dando conta que o analfabetismo no Brasil aumentou, durante o reinado de Lula.

Com efeito, todos reclamaram de uma maneira ou de outra das carências na infraestrutura, no saneamento básico, na saúde e na educação.

Na educação, a petista prometeu priorizar o ensino médio, com a criação de escolas técnicas.

A petista afirma que irá construir centros de educação profissionalizante em quase 600 municípios do país.

Na saúde, copiando o modelo tucano paulista, pretende aumentar o número de unidades descentralizadas de atendimento, como forma de diminuir a espera e melhorar a qualidade do serviço médico.

Na política externa é que se viu o maior contraste.

A política externa do governo Lula enfatiza as relações na América do Sul, enquanto o tucano defendia a realização de acordos bilaterais de comércio com países ricos e em desenvolvimento. É fato que diplomacia brasileira é por demais condescendente com governantes de países produtores de droga ou que violam direitos humanos -como é o caso do Irã. É verdade que não faltaram trocas de acusações.

Os ânimos ficam sempre exaltados, algo conveniente aos candidatos que não queriam a discussão de propostas concretas para o país.

O importante parecia vencer, o poder pelo poder.

Não surpreende.

A privacidade fiscal de oponentes de Dilma foi quebrada sem consequências.

Os direitos fundamentais garantidos pela Constituição parecem nada valer no Brasil.

Chegou-se a um absurdo, que vi até mesmo aqui na redação do JC.

Não interessava, por exemplo, se houve mesmo tráfico de influência na Casa Civil, com dona Erenice e seu bolsa família, mas sim que a ‘mídia’ deu destaque ao escândalo para prejudicar a candidata do governo.

Haja paciência.

O mais gritante de todos, as mentiras sobre a privatização.

Tratada de maneira oblíqua, tais questões foram simplificadas e manipuladas com intuito antes de assustar do que de esclarecer o eleitor.

As fotos do presidente mais popular da história, de capacete da Petrobras, com as mãos sujas de óleo da nova bacia, são a principal imagem da campanha de 2010 e o símbolo da simbiose do Estado com um projeto de poder.

E o que dizer do uso abusivo da máquina estatal, com as estatais e até o BNDES sendo usados para a realização de propaganda subliminar, veiculando durante meses na TV, antes e durante a campanha, um paraíso social?.

Mas nada se compara ao uso da Petrobras, quase nos nivelando ao que faz Hugo Chaves na sua democracia movida a petróleo.

E assim foi-se definindo a eleição.

Agora, com eleição finda, Lula se contentará em ser o líder mundial contra a fome, ou vai continuar presidente de fato do Brasil?

Por isto, não é exagero dizer que Lula saiu menor desta campanha.

Vencer ou ganhar é do jogo.

Não se trata disto.

O problema é que ele rebaixou o cargo que ocupa.

Na verdade, há oito anos, de olho neste momento, nunca desceu do palanque.

Neste sentido, venceu o populismo na forma mais cruel.

Agora com senhora Lula.

Dilma agora se depara com o desafio de suceder o presidente mais popular da história política brasileira.

E sair da sombra dele para alçar voo próprio.

Boa sorte ao Brasil!

Boa sorte a presidenta Dilma!