Por Luiz Alfredo Raposo Bancário aposentado.

Economista Obrigado, primo, pelo e-mail.

A Patroa é assim mesmo: o legítimo falsiê, do dedo mindinho ao laquê.

Materialista juramentada, de uns poucos dias pra cá virou católica de sacristia.

Não estranhe se, antes do segundo turno, ela aparecer no guia eleitoral vestida de anjinho, fazendo Primeira Comunhão…

Nessa pisada, ainda entra num convento e vira verso em ladainha: Beata Dilma, rogai por nós!

Convictamente pró-aborto, como são todas as de seu perfil social e pessoal, e inscrita num partido favorável ao aborto, ela agora se diz (e assina embaixo!) “defensora da vida”.

Projeteira de barragens na Amazônia sem pena de índio, planta, passarinho, terra, rio ou ar, de repente veste-se de um verde pra Green Peace nenhum botar defeito e dá de fazer pose de mãe-d’água.

De anjo da floresta.

Os votos propriamente seus não encheriam meio-caçuá, não chegariam para uma vereança por Santo Antônio do Salto da Onça, mas ela aceita participar da brincadeira de mau gosto com o Brasil, que é ser candidata a presidente. Ô danado!

Se ao menos fosse de um país aqui por perto…

Não salta aos olhos o grau de acabamento dessa falsificação?

Seria trágico, se fosse dar certo, mas não vai.

E você sabe por que não vai?

Porque ao redor de fraude assim juntou-se a fina flor do atraso quase em peso.

Aquele Brasil chuvoso e hereditário do dizer o cronista.

A gente já viu do que esse pessoal é capaz, o seu Maranhão que o diga.

E, nos últimos 40 dias pré-eleitorais, capitaneado pelo cabo Lula, ele deu uma amostra assaz esclarecedora do projeto que tem para o Brasil.

E isso mexeu com os brios de gente como você e como eu.

A mim, por exemplo, aposentado, me tirou de minha rede de varandas no terraço, e me fez propagandista-de-laboratório da candidatura contrária.

Ora, direis, mas Serra é um camarada montanhoso.

Difícil de escalar.

Eu sei.

Eu vos direi, no entanto, pálido de espanto como Bilac: veja como ele não mudou, é o mesmo Serra dos tempos da Une e do CPC, no começo dos anos 60.

Você já notou o carinho e respeito com que falam dele Gullar, Jabor, Cacá Diegues, seus companheiros de então?

Belos tempos, aqueles…

Ainda não havia Rita Lee, nem Lula, nem Caetano.

Mas Anselmo Duarte arrebatava a Palma de Ouro com O Pagador de Promessas, baseado na peça de Dias Gomes (outro que andou pelo CPC, junto com Vianinha e tantos mais).

João Gilberto, Tom Jobim, Vinícius, Carlinhos Lira surpreendiam e encantavam o mundo com a bossa nova, um samba tecno onde cabiam todos os luxos de harmonia do jazz mais sofisticado.

E essas coisas, aparecendo assim ao mesmo tempo, sugeriam um país de insuspeitados dons para o moderno.

Os jovens intelectuais (poetas, dramaturgos, cineastas e universitários) reunidos no CPC da UNE, sob a liderança pós-adolescente de José Serra, foram atores eminentes daquele instante brasileiro.

Lutadores de primeira hora, junto com líderes de entidades sindicais, partidos e organizações de esquerda, de uma causa generosa (e romântica), o movimento pelas “reformas de base” do governo João Goulart.

A impressão que me fica, porém, é a de que o contributo mais duradouro dessa turma consistiu em ajudar a fabricar outro produto daquela época, um certo “sonho feliz de país”.

Uma idéia de Brasil a quem a mera justiça social já não bastava.

De um país que precisava, mais que tudo, romper com o atraso, trocar de motor.

Atualizar mitos fundadores, usos-e-costumes, técnicas produtivas, O&M.

Democratizar-se.

Incorporar a si os deuses novos da cidade.

Só assim seria possível superar o modelo quadrissecular do Brasil-ação-entre-amigos (une affaire de blancs, no dito arguto e mordaz de um colega africano).

Do Brasil, cordial condomínio de compadres.

Ah, a cordialidade, tão decantada por alguns que digeriram mal a fina prosa buarquiana, era flor senhoril, só crescia nos alpendres da oligarquia.

Pressupunha uma nação de senzalas e quilombos.

E desde aí, uma idéia entrou de sala adentro, com ares de quem veio pra ficar: modernidade era mais importante ainda que revolução.

O socialismo subdesenvolvido era tão cruel quanto o capitalismo subdesenvolvido.

E a largueza dessa visão talvez tenha sido o que evitou a Serra, como a muitos outros jovens “engajados” de então, os descaminhos das opções leninistas.

Desceu sobre o Brasil a Idade Média do regime militar, com sua ceifa de vidas e carreiras.

E Serra não pactuou com o golpe (muito ao contrário, entrou na lista de procurados).

Tampouco teve a infeliz idéia de revidar.

Responder à brutalidade dos militares, sim, mas de um modo criativo: fugir com pés ligeiros, como o Aquiles homérico (ou como um cristão que tenha guardado no coração o “não resistais ao mal” de Mateus 6:39).

E Serra se mandou: Bolívia, Chile, Estados Unidos, onde passou longos anos de exílio.

Estudou Economia e escreveu com Conceição Tavares um clássico da nossa literatura econômica (Más allá de la Estagnación), sobre o “milagre brasileiro”.

Voltou, ainda durante a ditadura, e recomeçou de onde tinha parado.

Os militares, depois de tudo, não tiveram o que dizer: afinal, agora ele era apenas mais um “rapaz latino-americano sem dinheiro no banco”…

Seu sonho de juventude, porém, como ele, estava intacto. (Falar nisso, você viu, semanas atrás, a entrevista do Vandré à GloboNews, a primeira que ele deu em quarenta anos?

Eu vi e eis a conclusão aterradora a que cheguei: ele anda solto por aí, mas é um dos desaparecidos políticos do regime militar.

Sua alma de bardo resistente, os torturadores assassinaram nos porões com tais requintes que Vandré virou avantesma.

Creio que quem quer que o aviste na rua tem a nítida sensação de alguém evadido a sua cova).

Serra alistou-se no grupo progressista do MDB e nunca mais parou.

Esteve na linha de frente das iniciativas (hoje, clarão) que nos resgataram do pesadelo autoritário: movimento das “diretas já”, articulação para eleger Tancredo, enfim, Assembléia nacional constituinte de 87/88.

Como membro desta última, sua participação foi sob todos os títulos brilhante.

E agora, confirme de vez o aberrante do caso: o filho do feirante seu Francesco e de dona Serafina é carga que não desandou pelo caminho!

Até hoje não fez dos negócios públicos plataforma para negócios privados.

Ele é daqueles de quem se pode dizer sem sobrosso: ficha-limpa!

Nunca mudou de lado.

Só trocou de partido quando saiu do PMDB, junto com uma leva de companheiros, para fundar o PSDB.

E (disso ninguém duvida) nesta última legenda, os votos que fez foram perpétuos.

Participou com grande bizarria, como ministro da Saúde, da afortunada aventura modernizadora que foi o governo franco-tucano de 1993/2002 (e eu sou capaz de citar 20 dos benfeitos deles.

E o vigésimo primeiro foi terem buscado seu Oriente com uma teimosia de marinheiros antigos).

Depois foi bom prefeito e bom governador, funções que pareciam esperá-lo.

Envelheceu e chega aos quase 70 como um Quixote.

Magro e sem barriga, o sonho prevalecendo sobre o estômago.

No mais, o mesmo Serra de sempre (algo desmatado, é certo, e com marcas de erosão…).

A mesma cara feia e uma-só.

O mesmo ar antigo de rapaz militante de Ação Católica.

A intacta esperança, aguda como uma lança.

E não adianta à patota demonizá-lo nem parar pra revistá-lo.

Aos algozes ele sempre responde com um vero refrão: “não tem nada escondido no bolso ou nas mãos”.

Agora, há uma chance de “o presidente José Serra, da Une” de meus dias de secundarista vir a tornar-se presidente do Brasil.

Imagine você, primo.

Mas sentimentos, para depois.

O projeto de país dos antigos rapazes, negação do país-da-panelinha-que-vem-dos-tempos-de-El-Rei, convoca do futuro.

Convoca os sonhadores irredutíveis a ir até o fim deste outubro em rigorosa dieta paulina.

A tirar férias da amorável concha quotidiana e sair por aí a fazer prosélitos e arrebanhar os votos para a vitória de Serra.

Montanhoso, sim.

Mas verdadeiro.

E agora para nós Serra da Boa Esperança…

O primo Luiz