Por Marcia Bastos Balazeiro Curiosamente nestas eleições, para além do apoio do Presidente Lula, ou da candidata do PV, Marina Silva, colocada em 3º lugar no primeiro turno da campanha eleitoral, os candidatos à disputa presidenciável Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB, se esforçam em informar ao eleitor que tem, antes de tudo, o apoio incondicional de DEUS.

Como sabemos, historicamente, o Estado e a Igreja sempre andaram muito próximos, por várias vezes confundindo-se, desde as antigas civilizações.

Diferente não se deu com a formação do Estado brasileiro, que em sua origem já foi chamado de Terra de Santa Cruz e teve como primeiro ato solene uma missa.

Ocorre que, após o advento da República, e a edição do Decreto119-A, de 17 de janeiro de 1890, que instaurou a separação entre a Igreja e o Estado, o Brasil passou a ser um Estado laico, ou seja, neutro, leigo.

Com efeito, consoante De Plácido e Silva: “LAICO.

Do latim laicus, é o mesmo que leigo, equivalendo ao sentido de secular, em oposição do de bispo, ou religioso.” (SILVA, 1997, p. 45) O que quer dizer que o Estado Brasileiro é independente das Igrejas e não se confunde com qualquer religião, embora promova o respeito e a liberdade a todas as formas de crença, religião ou culto.

Não devemos confundir, desta forma, o Estado Brasileiro, com os brasileiros.

Assim, cada um de nós é livre para pensar, crer, cultuar e professar qualquer religião.

Nesse diapasão, não são o aborto e a saúde das mulheres os verdadeiros temas que vêm sendo discutidos neste segundo turno, mas em verdade,as plataformas religiosas em torno do início da vida, e de regular ou não a sexualidade e a reprodução das mulheres.

Um tema polêmico como o aborto não é apenas um problema de saúde pública, em face de milhares de mulheres, todos os anos, morrerem e se mutilarem em clínicas clandestinas espalhadas pelo país, ou ingerirem medicamentos proibidos, cuja comercialização ilegal enriquece os fornecedores fora da lei, descobertos pela polícia, pela imprensa e pelo Ministério Público, diariamente.

Além disso, o tema em epígrafe envolve discussões científicas em torno do início da vida.

Por fim, trata-se de um conflito jurídico também entre o direito do feto à vida e a liberdade da mulher de interromper sua gravidez, hoje apenas garantido no Estado Brasileiro em caso de estupro e risco à saúde da mulher.

Em razão do exposto, o país não pode se furtar em debater e discutir tema tão relevante para a sociedade, sem hipocrisias eleitoreiras de última hora, que produzem propagandas em que ambos os candidatos aparecem se dizendo contrários ao aborto, sem dizer, com clareza, o que pretendem fazer para discutir o assunto.

Um amplo debate nacional, e até mesmo uma consulta popular sobre o tema, soariam mais verdadeiros, independentemente das posições pessoais e da consciência íntima de cada um dos candidatos.

Afinal, eles se candidatam para serem representantes máximos de uma nação, e não de um fisiologismo político, partidário ou religioso.

Promotora de Justiça Especialista e Mestranda em Ciências-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL)