Por Gustavo Krause A democracia não se esgota na competição eleitoral. É uma forma de organização complexa, obra humana imperfeita, mesmo assim insuperável diante de todas as outras formas de organização social, experimentadas pela humanidade.
Convenhamos, porém, que as eleições e a liturgia do voto têm um significado especial: transforma o cidadão em ator principal, conquista que lhe custou um vale de sangue, suor e lágrimas.
Passado o dia da “festa democrática”, no dito do lugar-comum, apurados os votos e serenados os ânimos, é possível observar que, no sonho da estética democrática nem tudo é belo; nem tudo, também, reflete os aleijões da política mal praticada.
O belo e feio integram a paisagem democrática.
O belo é o exemplo de civilidade e compromisso que está (ou deveria estar) no debate da idéias; o feio é a demagogia, a promessa fácil maquiadas com a cosmética e os artifícios do marketing que pasteurizam e transformam o candidato em ventríloquos de mensagens pré-moldadas ou, o que é mais grave, em fantoche do teatro de marionetes, dirigido por poderosos cabos eleitorais.
O belo é a liberdade de expressão, de crítica social, de ampla informação que permita ao eleitor a escolha livre e consciente; feio é o populismo coronelista que infantiliza o eleitor e que se propõe dele cuidar com a autoridade de “pai” e “mãe”, como se fora uma ninhada de filhos, e o que é pior, a tanger no roçado, como se o povo fosse um rebanho de bovinos.
O belo é o funcionamento das instituições de acordo com a lei e a dicção equilibrada e justa dos tribunais; o feio é a ojeriza à liberdade de imprensa, o aparelhamento das instituições, em especial, o Estado, hoje, servo de partidos e personalidades que se encastelaram no poder e a insegurança jurídica que pairou sobre o simples documento de identificação do eleitor e paira sobre o resultado final das eleições ainda sob apreciação judicial quanto aos efeitos da lei “ficha limpa”.
O belo é a mobilização cívica, pacífica de mais de 130 milhões de eleitores, utilizando a mais moderna tecnologia de votação do mundo; feio é o nível educacional da população brasileira (49% com ensino fundamental) e mais feio, ainda, são os ouvidos moucos dos eleitos que seguem indiferentes ao clamor das urnas em relação a uma reforma política que aperfeiçoe a democracia brasileira, vulnerável ao poder econômico, à fragilidade partidária e à grave doença do adesismo descarado.
Feio é o império da pesquisocracia: um bombardeio na cabeça do eleitor, soco no estômago das militâncias e cadeado no bolso nos apostadores de corrida de cavalo.
Mas, os doutores da matéria intimidam qualquer crítica: afinal, infalibilidade é respeitável dogma religioso e estatístico (tudo é um “retrato do momento” mero “indicativo de tendências”).
Bonito é quando a urna desmente a pesquisa e confirma que, para o bem de todos, a cabeça do eleitor continua indecifrável.
Minha esperança é que, no segundo turno das eleições presidenciais, as luzes da democracia tirem de coxia e traga para o palco o candidato escondido; denuncie promessas fajutas; desminta convicções frouxas que mudam diante das conveniências eleitoreiras; esclareçam respostas evasivas sobre as nódoas éticas e as tentações autoritárias do governo.
Minha esperança é que as luzes da democracia levem o eleitor a enxergar, com clareza, biografia, currículo, pensamento, palavras e obras dos candidatos de modo o cidadão possa escolher, confiante, a quem estará entregando o futuro do Brasil.