O segundo turno, os futurólogos, os marqueteiros, as pesquisas e o jornalismo No blog do Reinaldo Azevedo Como digo há tempos aqui, eu não sei se vai haver segundo turno; havendo, não sei quem vai ganhar as eleições.

As minhas “previsões” - e o arquivo está aí, pode ser acessado a qualquer momento - se voltam para o processo, para o sentido em que vai a carruagem, sempre lembrando que pode haver surpresas a cada curva e que o indeterminado exerce papel importante na história.

Quem deu para fazer previsões nos últimos tempos foram os responsáveis pelos institutos de pesquisa.

Como essa gente é loquaz!

A exemplo dos juízes, deveriam se manifestar só nos autos - no caso deles, os números que apuram.

Mas não!

Falam pelos cotovelos: dão os números - o que confere às suas opiniões o peso de uma ciência - e, em seguida, passam a fazer especulações, algumas as mais vexaminosas.

E ai daquele que se aventurar a contestá-los!

Afinal, eles são “especialistas”.

Uma conclusão à margem neste parágrafo para voltar ao leito do pensamento: RESPONSÁVEIS POR PESQUISAS DEVERIAM SE IMPOR SILÊNCIO OBSEQUIOSO.

Ou, então, parem de fingir que há ciência nos seus chutes.

Não sei se vai haver segundo turno; havendo, não sei quem vai ganhar.

O que sei é que nenhuma outra eleição foi “decidida” com tanta antecedência na imprensa.

Antes que fale desse oba-oba indecoroso, cumpre fazer uma ressalva: a imprensa, mesmo a mais xucra, não é de todo culpada.

Falo um pouco a respeito nos dois parágrafos seguintes.

Reféns das pesquisas As campanhas políticas ficaram reféns de duas categorias: as pesquisas de opinião e os marqueteiros.

Elas diziam que o eleitor queria continuidade, e eles passaram a oferecer continuidade aos eleitores… O confronto se deu, então, entre a “Continuidade de Exaltação” e a “Continuidade de Superação”.

Dilma elevou às alturas as conquistas que seriam obra exclusiva de Lula, e Serra afirmou que é possível avançar num ritmo mais acelerado. É claro que isso despolitizou a disputa.

Essa despolitização permitiu que um discurso incompreensível como o de Marina ganhasse relevo.

Não há cristão - ateu ou agnóstico - que saiba o que, afinal de contas, ela faria se eleita; a proposta sua mais concreta de que me lembro é a criação de “novos materiais” (!?!?!?).

Não importa!

Ela parece falar em nome de alguns valores; é fato que ninguém entendeu direito quais são.

Se seu discurso, no entanto, é bem-recebido por uma fatia razoável do eleitorado, é de se supor que exista uma demanda reprimida por política - qualquer uma… Ainda que o jornalismo político quisesse fazer uma cobertura analisando propostas, a tarefa seria dura.

A VEJA traz hoje uma capa emblemática: “As grandes propostas para o Brasil feitas na campanha presidencial”: uma folha em branco.

A cobertura jornalística Mesmo num confronto que não privilegiou propostas ou idéias, a cobertura da imprensa foi, com as exceções que sempre existem, pífia.

Dilma tinha ainda 5% ou 6% dos votos, e as tais pesquisas diziam que a maioria dos eleitores brasileiros votaria ou poderia votar num candidato indicado por Lula.

E essa “verdade” pautou desde sempre a cobertura.

Quando Dilma finalmente ultrapassou Serra nas pesquisas - o que só aconteceu em julho, embora se esperasse por isso desde o fim do ano passado -, deu-se a eleição por encerrada.

Os mais óbvios nem se constrangiam em dizer: “A menos que surja um fato novo”.

Ora, o mundo só é tão antigo e conhecido por causa dos… fatos novos, entendem?

Sem as invasões de sigilo, o escândalo Erenice e a polêmica do aborto, Dilma já estaria eleita ou não?

Repito: não sei se vai haver segundo turno; havendo, não sei quem vai ganhar.

O que sei é que tudo o que está na história é um dado que compõe a história.

Tautológico?

Pode ser.

Mas se torna necessário declarar o óbvio nos dias que correm.

No mínimo, é preciso ter um pouco mais de cuidado.

Ainda que Dilma vença as eleições logo mais, isso não elimina o fato de que esta eleição foi marcada por um péssimo comportamento dos institutos de pesquisa - e, nesse caso, refiro-me àqueles que não são comprados; os de aluguel estão praticando banditismo faz tempo - e do jornalismo político.

Quem não se apressou em cravar previsões - “Dilma já ganhou no primeiro turno” - optou pela certeza decorosa, aquela a que já me referi: “Salvo fato novo…” É evidente que nada disso é irrelevante no jogo político.

A história de que pesquisas são meros termômetros é mentirosa: seus números facilitam ou dificultam alianças, acabam ditando o comportamento dos palanques regionais, têm influência estupenda na arrecadação de fundos de campanha e criam marés de notícias positivas ou negativas.

Ora, Dilma comia poeira, lá atrás, mas o tom do noticiário era um só: “Vai mudar”, e é claro que isso criava facilidades para a candidata.

Serra tinha folgada vantagem, e o tom do noticiário era um só: “Vai mudar”, e é claro que isso criava dificuldades para o candidato.

Quando mudou, bastou para que se decretasse: “Acabou!”, e isso passou a ser considerado no texto da maioria dos analistas um “dado da realidade”, coisa conhecida.

No Datafolha, Dilma chega ao dia da eleição com a mesma porcentagem de votos válidos que Lula tinha em 2006, quando a disputa foi para o segundo turno.

Há uma coisa diferente: há quatro anos, o jornalismo político não chegou tão longe na “antecipação” da história como agora.

E não tentou resolver a eleição sem o concurso do eleitor