PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR REQUERENTE : ESTADO DE PERNAMBUCO REQUERIDA : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES – ABRASEL/PE DECISÃO Vistos etc. 1.

O ESTADO DE PERNAMBUCO requer a suspensão da executividade de decisão interlocutória que, no pórtico de ação mandamental (Proc. nº 0225991-6), aviada pela ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE BARES E RESTAURANTES – ABRASEL/PE, deferindo o pedido de liminar, retirou a eficácia da Portaria nº1963, publicado no DOE de 29 de setembro de 2010, do SENHOR SECRETÁRIO DE ESTADO DA DEFESA SOCIAL, que proibiu, a partir das 5 horas e até às 18 horas do dia 3 de outubro de 2010, em todas as Circunscrições Policiais do Estado, a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em bares, restaurantes e outros estabelecimentos do mesmo gênero, ressalvada a orientação diferenciada que venha a ser determinada pelos Juízes Eleitorais em suas respectivas jurisdições.

A decisão impugnada, com fundamento objetivo na prevalência do princípio da legalidade – de sede constitucional -, ao conceder a segurança liminar, enfatiza que o comércio de bebidas alcoólicas em bares e restaurantes constitui atividade lícita, não podendo as autoridades administrativas, portanto, a partir dessa premissa de base, sem violar a ordem jurídica, coibi-la.

A proibição, pois, conferida por norma inferior, sem o poder de lei, sob o prisma do princípio da legalidade, viola o direito de os substituídos, representados pela Associação Requerida, exercerem regularmente uma atividade lícita. É o que importa relatar.

Decido. 2.

Certo, os princípios constitucionais não podem ser, em hipótese alguma, inobservados, porquanto um princípio representa a base de um sistema jurídico.

Numa palavra: desrespeitá-lo é desrespeitar não uma regra isolada de um sistema normativo, mas o próprio sistema como um todo.

Nunca é demais repetir a célebre afirmação de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (RDP 15/283): “(…) qualquer disposição, qualquer regra jurídica (…) para ser constitucional, necessita estar afinada como o princípio ( … ), realizar seu espírito, atender à sua direção estimativa, coincidir com seu sentido axiológico, expressar seu conteúdo.

Não se pode entender corretamente uma norma constitucional sem atenção aos princípios consagrados na Constituição e não se pode tolerar uma Lei que fira um princípio adotado na Carta Magna.

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma.

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” Força convir que as disposições dos arts. 5º e 144, da Carta Política, representam princípios, e, em se cogitando de princípios, não podem jamais ser afrontados, devendo, dessarte, servir de parâmetro para a interpretação das demais normas constitucionais.

Logo, qualquer interpretação que se dê às demais normais integrantes do ordenamento jurídico – inclusive da própria Constituição da República - que se afaste dos princípios gerais (normas-princípios) – orientadoras de todo o sistema - estará definitivamente errada.

Oportunas, a propósito, as palavras de SÉRGIO LUIZ BARBOSA NEVES (BDM - dez./91 ) : “( … ) não há que se confundir norma jurídica com a lei, nem norma com artigo ou dispositivo legal.

Com a primeira, guarda a norma uma relação de continente a conteúdo, isto é , a norma está contida na lei, não sendo a recíproca verdadeira.

A norma jurídica não se confunde com o dispositivo legal.

Muitas vezes, o artigo pode conter uma norma, mas tal não é absolutamente necessário.

Aliás, na maioria das vezes, a norma está fracionada pelos diversos artigos esparsos dentro de uma lei, e até mesmo em leis diversas.” Daí a necessidade de examinarmos a Constituição Federal como um todo e não parcial ou fragmentadamente.

A normatização constitucional foi feita pela Constituição como um todo, e o espírito desta terá que presidir. 3.

A Constituição da República, em seu art. 144, estatui, como norma-princípio – logo, igualmente orientadora de todo o sistema jurídico -, que “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”.

A garantia da ordem e da segurança públicas, para além de representar “dever do Estado”, constitui, também, direito público subjetivo, de cujo exercício depende a própria coexistência social, indispensável para subsistência dos alicerces do Estado Democrático de Direito. 4.

Diante do conflito entre normas de igual hierarquia – direito individual ao exercício de atividade comercial lícita versus direito público subjetivo à ordem e à segurança públicas -, surge o grave problema a ser solvido: qual o direito que deve prevalecer?

O direito coletivo à ordem e à segurança cede diante do direito ao regular exercício de atividade comercial lícita?

Ou será que esse direito de praticar o comércio, ou de comercializar, regularmente, produtos lícitos tem limite, ditado pelo âmbito da inviolabilidade do direito público subjetivo à ordem e à segurança, também sempre intransponível?

Primeiro ponto que se entende fundamental ao exame da questão está na consideração de que, entre todos aqueles direitos, não há relação de hierarquia.

Nenhum deles pode ser considerado absoluto.

Trata-se de direitos de igual dignidade constitucional.

Esses direitos - insista-se, estão todos na mesma Constituição, que deve ser entendida como um complexo de normas coerentes e de igual grau hierárquico. É o princípio da unidade hierárquico-normativa, acentuado por PEDRO FREDERICO CALDAS, com remissão a CANOTILHO, “segundo o qual as normas contidas numa constituição formal têm igual dignidade, impondo o princípio da unidade da constituição aos seus aplicadores a obrigação de lerem e compreenderem as suas regras, na medida do possível, como se fosse obras de um só autor, exprimindo uma concepção correta do direito e da justiça” (Vida privada, liberdade de imprensa e dano moral.

São Paulo: Saraiva, 1997. p. 89).

Na mesma senda, observa CELSO BASTOS que “a Constituição é um conglomerado de normas e princípios que guardam entre si, frise-se, o mesmo grau de importância, apresentando, todos, o mesmo nível hierárquico” (Curso de direito constitucional. 17 ed.

São Paulo: Saraiva, 1996, p. 138).

Na justa observação de SUZANA DE TOLEDO BARROS, “os direitos fundamentais, mesmo quando expressos sob a forma de regras, reconduzem-se a princípios, tendo em vista o valor ou bem jurídico a que visam proteger”.

Ou, ainda no dizer dessa mesma autora, as normas de direitos fundamentais têm caráter principiológico e, como tal, correspondem à própria estrutura do sistema jurídico (O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais.

Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 155).

Ainda acerca desses direitos constitucionais, de igual hierarquia, forçoso observar inexistir qualquer ordem cronológica de sua previsão normativa, de sorte a permitir que um possa ser considerado derrogatório de outro.

Da mesma maneira, nenhum desses mesmos direitos contempla previsão especial que, por essa especialidade, sirva a derrogar o outro, de conteúdo geral. 5. À vista da impossibilidade de se estabelecer entre esses direitos qualquer relação possível de hierarquia, que permita o reconhecimento, em qualquer deles, de alguma superioridade, posto que são direitos de igual dignidade -, para solução de seu conflito não há recurso possível aos critérios que tomam por base a hierarquia, cronologia ou especialidade dos dispositivos que os contemplam.

Então, não se tem em vista o fenômeno da simples antinomia aparente de normas, solucionável, como se sabe, por meio daqueles critérios ou princípios jurídico-positivos.

Está-se, em verdade, diante de antinomia real de normas, entendida, segundo TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR, como “a oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente), emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo que colocam o sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a permitir-lhe uma saída nos quadros de um ordenamento dado” (Antinomia.

In: Enciclopédia Saraiva do Direito.

São Paulo, 1978. p. 9-18).

Para MARIA HELENA DINIZ, nessas hipóteses de antinomia real deve-se recorrer a uma solução ou interpretação eqüitativa que tenha presentes fatos e valores contemporâneos à realidade em que se insere o conflito a ser resolvido e em que prevaleça a razoabilidade no lugar da racionalidade, na exata esteira do preceito do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código Civil, que, “por fornecer critérios hermenêuticos assinalando o modo de aplicação e entendimento das normas estendendo-se a toda ordenação jurídica, permite corrigir o conflito que se apresenta nas normas, adaptando a que for mais razoável à solução do caso concreto, constituindo uma válvula de segurança que possibilita aliviar a antinomia e a revolta dos fatos contra as normas” (Norma constitucional e seus efeitos. 3. ed.

São Paulo: Saraiva, 1997. p. 55 e 57 – 58).

Pois, no caso da antinomia de que ora se trata, esse critério eqüitativo vem se exteriorizando em um “juízo de ponderação” que se faz entre os bens da vida em conflito, observadas as peculiaridades de cada situação em particular.

Importa dizer: cuida-se de, na hipótese concreta, ponderar as circunstâncias que, afinal, venham a determinar a prevalência de um ou outro direito – é a técnica do ad hoc balancing, ou a doutrina do balancing.

Ou, para SUZANA DE TOLEDO BARROS, trata-se de técnica pela qual se concretiza o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, que tende, em caso de colisão de direitos fundamentais, a estabelecer entre eles uma relação de precedência no caso concreto, sempre mercê da ponderação, que está em sua base. (O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais.

Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p.. 213).

Também no nível jurisprudencial já se entendeu que a razoabilidade deve ser a tônica da ponderação ou proporcionalização de direitos de igual magnitude (cf.

STF, RE 219.780-PE, 2ª Turma, j. 13.04.1999, Rel.

Min.

Carlos Velloso, DJU 10.09.1999). 6.

Não se nega e é claro que nesse juízo de ponderação, a par da repetição de casos semelhantes, alguns outros dados têm sido constantes e, por isso, podem nortear a atividade do intérprete.

No que se convencionou chamar de “ponderação de bens” no caso concreto, haverão de confrontar-se entre si, de um lado, a importância para coletividade no implemento de atos da Administração Pública condizentes a assegurar a ordem e a segurança públicas; e de outro lado, a esfera privada ou apenas esfera profissional dos substituídos pela Associação Requerida e a gravidade dos prejuízos econômicos que lhe podem ser causados.

Cuida–se do princípio do meio mais idôneo e do princípio da proporcionalidade, aos quais se deve acrescer o da relação adequada, de tal arte que, mesmo quando o fim não é reprovável, o meio escolhido não deve exceder uma medida racional.

Em outras palavras, é preciso verificar, se, no caso concreto, o sacrifício do direito dos substituídos ao exercício de atividade comercial lícita, limitada ou adstrita temporalmente, se impõe diante de ato da Administração Pública de interesse social ou coletivo, sem o que não se justifica a invasão da esfera de direitos subjetivos dos substituídos. 7.

Sopesados todos esses balizamentos (princípios do meio mais idôneo, da proporcionalidade e da relação adequada) e cuidando que a Portaria do Senhor Secretário de Estado da Defesa Social não constitui abuso do direito ao livre comércio, situando-se dentro do espectro da garantia do direito público subjetivo à ordem e à segurança públicas - especialmente porque seus efeitos estão expressamente delimitados no tempo (5 às 17 horas do dia de amanhã, em que serão realizadas eleições gerais) -, tenho que a supressão da sua eficácia, por meio de decisão liminar, tem o condão de provocar transtornos injustificáveis às políticas públicas de segurança, pondo em risco a inviolabilidade da ordem jurídica, mormente em dia de eleições, quando as emoções, sob o influxo de paixões partidárias, afloram mais intensamente, Nesse ser assim, nada impede – ao contrário, o interesse público recomenda – que se restabeleça a executividade plena do ato regulamentar suspenso, até o julgamento em definitivo da lide, de vez que o prejuízo de irreparabilidade ou de difícil reparação atual não é dos substituídos (sociedades empresárias e comerciantes individuais que exploram as atividades de bares, restaurantes e congêneres); o verdadeiro prejuízo é suportado pela população - fim e destinatária dos objetivos estratégicos das políticas públicas de garantia da incolumidade da ordem e da segurança públicas. 8.

Na enseada do exposto, entendendo bem caracterizada, na espécie, a ocorrência de grave lesão à ordem e à segurança públicas, defiro o pedido e, em conseqüência, suspendo os efeitos da decisão concessiva da segurança liminar, proferida nos autos do writ of mandamus tombado sob o nº 0225991-6, até o julgamento em definitivo da lide.

Comunique-se ao eminente Desembargador Relator, com urgência.

Publique-se.

Cumpra-se.

Recife, 2 de outubro de 2010.

Desembargador JOSÉ FERNANDES DE LEMOS PRESIDENTE