Por José Maria Nóbrega – Doutor em Ciência Política - UFPE Filósofos da visão elitista da sociedade ocidental, Nietzsche e Raskólnikov afirmavam que a humanidade estaria dividida entre os “extraordinários” e os “ordinários”, isso no final do século XIX e início do século XX.
Os ditos “extraordinários” teriam direito ao crime enquanto os “ordinários” estariam eles condenados à obediência da lei.
Apesar de parecer absurdo para nós em pleno século XXI, é só observarmos a realidade do sistema de justiça no Brasil para percebermos que no nosso caso isso é bem difundido: “para os meus amigos tudo, para meus inimigos a lei”.
Bem, os teóricos elitistas de fins do século XIX ainda estão em voga na nossa Nova República, ou na nossa (semi)democracia.
Será esta a base da nossa democracia?
Ou seja, o conceito elitista exagerado de que nós só temos como condição necessária para nos afirmarmos como regime democrático eleições, limpas, livres, periódicas e pluripartidárias?
Estaríamos, então, nos deportando àquela filosofia elitista que comungavam teóricos como Joseph Schumpeter e Gaetano Mosca, dentre outros.
Eleições são condição necessária para um regime democrático, mas é insuficiente para a afirmação do mesmo.
Elites governantes que estão acima da lei, passam por cima do que nós entendemos como sendo o principio básico do republicanismo: o império da lei.
Governados por “extraordinários” os “ordinários” de todas as cores ficam a mercê de um sistema que não consegue dirimir os mais simplórios conflitos em sociedade.
Os “extraordinários”, acima da lei, praticam os mais diversos tipos de crime contra a ordem pública e os “ordinários”, sujeitos as regras do jogo (que não é democrático), ficam reféns do próprio medo e vendo o erário público ser “ingerido” pelos “extraordinários” para os quais não cabe a aplicação da lei, já que estão acima dela, conforme nossos ilustres filósofos elitistas, quiçá fascistas, afirmavam; e que a elite política brasileira parece beber naquelas fontes.
Os doutrinadores do direito que afirmam que a essência da igualdade está na forma desigual de tratamento, os “patrícios” de nossa República não republicana, vêem com naturalidade a defesa de fóruns especiais e privilégios de toda espécie para consolidar a desigualdade como princípio da igualdade.
Parece estranho e contraditório, mas é isso mesmo!
A essência da igualdade estaria na forma desigual de tratar indivíduos desiguais, já dizia o ilustre Rui Barbosa.
Pessoas “extraordinárias” estariam acima dos ditos “ordinários” (em sua época valia para a patuléia, ou seja, os ex-escravos).
Barbosa se dizia liberal, mas a sua filosofia do direito não se enquadra na natureza epistemológica do liberalismo, já que aí todos devem ser vistos de forma igualitária perante as leis, TODOS!
O Estado de Direito democrático deve seguir uma perspectiva tripartite para consolidar-se como tal.
Esta está coadunada na perspectiva liberal, republicana e democrática.
Na primeira todos os cidadãos têm acesso a participação ativa e/ou passiva na escolha de seus governantes, têm direitos garantidos, como o de ir e vir, direito à vida, a associação, a liberdade de imprensa e ao hábeas corpus.
Na republicana, deve imperar a lei sob o conjunto da sociedade, sem visões “extraordinárias” de poder.
Na democrática o demos deve ser entendido como um espaço para discussão entre maiorias e minorias sem extermínio de um dos lados, ou seja, sem tiranias de maiorias ou minorias, na verdade imperando os limites de poder, sem os quais se chega ao autoritarismo.
Pelo visto, a visão de Nietzsche e Raskólnikov, dentre outros, se mantém em nossas plagas. “Extraordinários” governam enquanto nós, agentes “ordinários” ficamos sob o jugo do ordenamento desigual jurídico. “Extraordinários” fazem o que querem, praticando os mais diversos tipos de atos ilícitos – o que leva a uma grande fragilização da democracia, já que a maioria dos indivíduos passa a desconfiar dela pela desconfiança nos “extraordinários” -, enquanto nós, os “ordinários”, temos que seguir estritamente as regras do jogo para não sermos condenados pelo sistema de justiça que enxerga de forma elitista uma ordem que deveria ser vista como igualitária.
José Maria Nóbrega Jr.
Doutor em Ciência Política - UFPE Pesquisador do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade (NICC-UFPE) Professor da Faculdade Maurício de Nassau