Por Henrique Mariano Esta semana, tivemos a primeira vitória no processo que pede a aplicação do dispositivo constitucional do Incidente de Deslocamento de Competência (IDC) no caso do assassinato do advogado pernambucano e militante de Direitos Humanos, Manoel Mattos – ocorrido em dia 24 de janeiro de 2009 na Paraíba.
A ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Laurita Vaz – relatora do processo – apresentou seu voto favorável à federalização do caso.
O julgamento na terceira seção do STJ, no entanto, foi suspenso pelo pedido de vistas apresentado pelo ministro Celso Limongi.
O voto favorável da ministra no caso pode até parecer pouco, mas já é um grande passo para que, pela primeira vez no Brasil, o IDC seja aplicado.
Para se ter uma idéia da importância desse julgamento, outro pedido similar foi feito, em 2005, em relação ao assassinato da missionária americana Dorothy Stang, no Pará.
No entanto, o IDC foi negado.
Entre as diversas diferenças observadas entre os dois crimes está, inclusive, o fato de que as autoridades paraenses (como Tribunal de Justiça e Governo) se posicionaram contra a federalização, enquanto no caso Manoel Mattos, existe um entendimento comum entre os dois Estados que esse é o melhor caminho.
Mas no voto apresentado nesta quarta-feira (08.09) durante o julgamento, a ministra Laurita Vaz mostrou que, em relação à morte de Manoel Mattos, o pedido atende a três requisitos fundamentais para a sua concessão: está provada a ocorrência de grave violação aos direitos humanos; existe a necessidade de garantia do cumprimento, pelo Brasil, de obrigações decorrentes de tratados internacionais sobre o tema e, principalmente, as autoridades estaduais locais não conseguem agir contra o grupo de extermínio que atua na região.
E, a partir do cumprimento destes requisitos, o pedido de federalização estava juridicamente e fáticamente respaldado.
Lembramos que o artigo 109, parágrafo 5º, da Constituição Federal prevê que “nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal”.
Ou seja, o caso – conforme o pedido apresentado pela Procuradoria Geral da República – cumpre, rigidamente, os presupostos legais.
Mas é preciso ressaltar ainda que a defesa perene da federalização por parte da OAB-PE – autora, ainda em 2009, do requerimento solicitando que a Procuradoria entrasse com o processo no STJ – não é motivado apenas por questões jurídicas.
A Ordem considera que o deslocamento de competência é importante para coibir a ação dos grupos de extermino que atuam na região de fronteira entre a Paraíba e Pernambuco.
Essa questão ficou ainda mais clara após o atentado sofrido por uma testemunha do caso.
Em uma audiência realizada em Itambé – onde Manoel Mattos vivia e militava na advocacia -, foi relatada a gravíssima situação de ameaça vivida pelos familiares e testemunhas.
O termo desta audiência, inclusive, foi anexado a uma vasta documentação encaminhada à ministra-relatora durante reunião que tivemos com a mesma em janeiro deste ano.
Somente nos últimos oito meses, estivemos três vezes com a ministra para reforçar a importância da federalização.
Em seu voto, a ministra ressaltou que o deslocamento de competência “serviria para preservar as instituições, até mesmo, de condutas irregulares de seus próprios agentes, levando a seu fortalecimento”.
Ela destacou ainda que “passados aproximadamente 15 anos das primeiras denúncias envolvendo o grupo de extermínio, as autoridades engajadas em sua investigação são ameaçadas e testemunhas sofrem atentados, alguns bem-sucedidos, o que indicaria a dificuldade de atuação das autoridades estaduais na área de fronteira conhecida como Fronteira do Terror”.
Com a apresentação do relatório favorável ao deslocamento de competência, temos a certeza de que um importante passo foi dado.
No entanto, buscaremos agora não só assegurar a continuidade, o mais breve possível, do julgamento como também diligenciaremos junto aos outros ministros que compõem a 3ª Seção para garantir os outros votos favoráveis.
E, em um futuro breve, a OAB-PE iniciará a luta contra a impunidade dos culpados pelo brutal assassinato do advogado Manoel Mattos, no âmbito, como esperamos, da Justiça Federal. * Henrique Mariano é presidente da OAB-PE