Por Anatólio Julião, sociólogo Apesar de ter sido citado pelo presidente Lula em seu discurso no Marco Zero, veiculado ontem no Guia Eleitoral, Francisco Julião e Lula nunca se entenderam.

Nem no começo, nem no fim.

Entre eles se interpunha a figura do grande “caudilho” nacionalista Leonel Brizola.

Não somente entre Francisco Julião e Lula.

Mas também entre Francisco Julião e Dr.

Miguel Arraes.

Falo, porque fui testemunha.

Tínhamos voltado ao Brasil fazia poucas semanas.

O escriba primeiro, Brizola alguns dias depois.

Participamos da mobilização para recebê-lo no Galeão e o acompanhamos durante os primeiros meses de Brasil, no “acampamento” do Hotel Everest, em Ipanema, cortesia de empresários gaúchos, muitos dos quais passaram a morar no próprio estabelecimento, conferindo-lhe ares de minúsculo Obelisco.

Faltavam apenas os lenços vermelhos e os cavalos amarrados na entrada.

A gauchada fazia questão de estar por perto, “por via das dúvidas”.

Francisco Julião permanecera no México.

Nos porões da ditadura, ainda se discutia se a Anistia – ampla, geral e irrestrita – valeria também para ele, Gregório Bezerra e Dr.

Arraes.

Para Brizola pouco importava: veio na marra mesmo.

Eu apenas o antecedi em alguns dias.

Duas semanas após o seu retorno ao Brasil, Brizola chamou-me a um canto e disse-me: “prepara-te que vamos viajar ao México.

Participaremos do Encontro de Partidos Políticos Afins da América Latina, na cidade mexicana de Oaxaca, e aproveitaremos para preparar o retorno de Julião”.

Viajamos de supetão.

Pensei com meus botões: “será possível que mal cheguei ao Brasil e já vou de novo para o estrangeiro?

Será que não acontece alguma desgraça e tenho que ficar por lá de novo?”.

No México, reunimo-nos na cidade de Cuernavaca.

Francisco Julião, o anfitrião, conseguira reunir Brizola, Betinho e Maria, Neiva Moreira, Teotônio dos Santos e Vânia Bambirra…

Este modesto Sociólogo a tudo assistiu.

As pessoas ali reunidas assumiram solenemente o compromisso de, quando de volta ao Brasil, pugnar pela formação de um partido político - PTB e posteriormente PDT - cujas raízes fossem nitidamente brasileiras, com o intuito de defender o “primado dos valores do trabalho”, em ambiente absolutamente democrático, pluripartidário, com respeito e tolerância a todos os credos e religiões, sem distinção de raça, cor, sexo ou status social; lutar pela soberania nacional e a autodeterminação do Brasil, sem alinhamentos; defender o meio ambiente e a reforma agrária; defender a liberdade de pensamento e a criação intelectual em todas as suas formas; promover, acima de tudo, o bem estar das crianças brasileiras, desde o ventre materno.

Enfim, lutar pela implantação no Brasil de um “Socialismo Moreno”.

Deu tudo certo.

E poucos dias depois Francisco Julião desembarcava, emocionado, no Galeão, carregando em uma das mãos um punhado de terra mexicana, logo confundido por jornalistas com feijão preto, em referência à fome existente no Brasil, sendo recebido por um grande grupo de pessoas formado por cariocas, membros do Comitê de Anistia, no Rio de Janeiro, presidido pela idosa e valente Sra.

Eva Tórtima, gaúchos e pernambucanos.

Poucos dias depois da sua chegada, Francisco Julião decidiu que deveria realizar uma série de visitas, começando por São Paulo - onde encontraria D.

Paulo Evaristo Arns, José Dirceu e Lula, este último na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo - e terminando em Pernambuco, ainda de visita, antes do retorno definitivo à Província.

Tínhamos de concluir, no Rio de Janeiro, o Programa do novo PTB, depois PDT, pois a data para registro de novos partidos era improrrogável.

Em São Paulo, ficamos hospedados no amplo apartamento de Henfil, irmão do Betinho, em Higienópolis e, de lá, fomos fazendo as visitas.

Na visita a Lula, à medida que nos distanciávamos do centro de São Paulo, mas parecia que estávamos em Pernambuco, até que, de repente, nos deparamos com uma feira popular tipicamente nordestina.

Julião mandou parar o táxi e disse que “não gostaria de encontrar Lula de mãos abanando”: decidira levar-lhe um naco de charque, um inhame e uma garrafa de cachaça, presentes apropriados para o encontro de dois pernambucanos, há tanto tempo longe da Terra.

A cachaça era da marca “Serra Grande”.

Lula nos recebeu, com certa frieza, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo, em torno de uma mesa grande, quadrada, ele à cabeceira, rodeado apenas por alguns dirigentes da Agremiação, entre os quais, Alemão, de olhos claros e cabelos de fogo.

Abriu com certa surpresa os presentes.

Desembrulhou a charque e abriu a garrafa de cachaça que, em copinhos de plástico de café, passamos a consumir, acompanhados de pequenos pedaços de charque cru, cortados a canivete.

Julião como sempre, se absteve tanto da aguardente quanto da carne de charque: o seu fígado varado pela xistosomose não lhe permitia extravagâncias.

O “Socialismo Moreno” não o entusiasmou, porquanto o projeto de criação do PT já era uma realidade, sob o signo do mais retrógrado obreirismo, onde estudantes, intelectuais, empresários grandes ou pequenos não seriam bem-vindos.

Algo como um “big-bang” no universo político brasileiro.

Posteriormente essa posição foi revista e alguns poucos iluminados foram sendo admitidos, não sem ferozes protestos da militância, como os que presenciei no lançamento do PT, na sede da UNE, no Rio de Janeiro.

Assim como o “big-bang” no universo, o do PT começou a se expandir, com tal velocidade e intensidade que, à medida que novas galáxias e constelações foram nascendo, alcançou maturidade suficiente para abrigar comodamente em seu seio buracos negros e anti-matérias como Fernando Collor, José Sarney, Renan Calheiros, Jáder Barbalho, Michel Temer, Marcos Valério, Delúbio Soares, e uma fantástica quadrilha de mensaleiros, aloprados, vampiros, sanguessugas, fabricantes de dossiês, montadores de grampos, sindicalistas pelegos, dirigentes estudantis de aluguel, ong´s e oscips viciadas em verbas públicas, líderes camponeses recrutados entre o lumpem-proletariado urbano, enfim, uma inconcebível fauna anti-republicana que, em Pernambuco, têm como líderes políticos supremos sua excelência o governador Eduardo Campos, o inocentado sanguessuga Humberto Costa e o usineiro Armando Monteiro Neto; função desempenhada, no plano nacional, pela mulher-mamolengo, Da.

Dilma Roussef, que sabe do que estou falando, pois que é ex-PDT.

Sem nunca mais na vida ter feito uma única referência ao nome de Francisco Julião, em qualquer de suas visitas ao Estado, o presidente Lula agora se lembrou dele e citou-lhe o nome, no auge da campanha, quando veio montar o picadeiro do seu Circo Vostók em pleno Marco Zero, para tentar garantir a vitória dos representantes da sua famiglia em Pernambuco, dando a impressão de que todos estão no seu bolso.

Pois saibam as hostes desse enorme embuste que nos querem impingir em nome de um sonho de dominação do País que, aqui na Terrinha, há entre um abnegado grupo de pessoas, um modesto Sociólogo - que de vez em quando posta modestíssimos artigos no blog do Jamildo - que não abdicou dos seus sonhos para o Brasil e que, definitivamente, não faz parte dessa suposta unanimidade, porque ela é burra, e em seu seio campeia a corrupção e lateja o autoritarismo.