POLÍTICA NÃO É NEGÓCIO Por Anatólio Julião Fui apresentado a Sérgio Guerra pelo seu irmão, José Carlos Guerra, de quem me tornei amigo pelo resto da vida.

Foi Zé Carlos quem logo após o meu retorno do exílio, encerrada a reunião onde nos conhecemos, na banca de advocacia de Sérgio Murilo, para discutirmos os primeiros passos para a fundação em Pernambuco do PTB, comandado por Leonel Brizola, chamou-me a um canto e perguntou-me: - Quanto tempo faz que você não toma um sorvete de mangaba?

Surpreso, respondi-lhe: - Acho que não lembro mais do gosto da mangaba.

E ele: - Então vamos tomar um sorvete de mangaba!

E levou-me a conhecer a Sorveteria Fri-sabor.

De outra feita, fez-me a pergunta sobre a lagosta e, diante da mesma resposta, convidou-me para que, juntos, saboreássemos o crustáceo no antigo restaurante Samburá, na orla de Olinda.

Zé Carlos era assim.

Tinha sentimentos e gestos humanos, sabia fazer e cativar os amigos.

Era um homem de bom coração, uma pessoa sensível e afável, sempre querendo ajudar e compartilhar com aqueles que dele se aproximavam.

De tal forma conquistou a amizade dessas pessoas que a maioria delas o acompanhou ao longo da vida até que a vida se lhe esvaiu e, num dia triste, cinzento e chuvoso, o acompanhamos ao seu lugar de repouso definitivo no cemitério Parque das Flores.

Pois foi ele quem me apresentou ao seu irmão Sérgio Guerra: inteligente, simpático, preparado, mas de personalidade diametralmente oposta à do seu irmão.

Ocupava, à época, a diretoria econômico-financeira do Grupo Lundgren.

Antes tinha gerenciado, em Pernambuco, um grupo financeiro que, se não me falha a memória, chamava-se Novo Rio.

A ele devo - e lhe serei sempre grato por isto - o primeiro trabalho estável que tive em Pernambuco após o retorno do exílio, junto à brilhante arquiteta Cláudia Loureiro, integrando a equipe multidisplinar formada pelos escritórios dos urbanistas Luiz Paulo Conde e Joaquim Guedes, em Recife, encarregada de elaborar o Plano Básico de Urbanização das Propriedades do Grupo Lundgren, na Região Metropolitana do Recife.

Com Zé Carlos fazíamos política e recebíamos as boas-vindas, por meio de gestos que revelavam sua sensibilidade para entender as carências de natureza humana que o desterro impõe as suas vítimas.

De Sérgio sabíamos que era excelente economista, financista pragmático, rico, criador de cavalos de raça manga-larga marchador.

Revelou-se também amável anfitrião: em mais de uma ocasião nos convidou gentilmente para visitar a sua fazenda Pedra Verde, onde montávamos a cavalo, as crianças brincavam e conversávamos descontraídos com pessoas interessantes, como, entre outros, o publicitário Carol Fernandes, da Itaity Publicidade, criador da inesquecível personagem Dalvanira, em comercial das Casas José Araújo.

Nas eleições de 1982, o já então PDT, decidiu em resposta ao casuísmo do voto vinculado, não lançar candidatos e incorporar-se à campanha do, para todos, imbatível Marcos Freire.

Zé Carlos, que havia organizado suas bases eleitorais para reaver o mandato de deputado federal que lhe fora arrebatado pela ditadura, decidiu colocar à disposição do irmão Sérgio Guerra, filiado ao PMDB, essas estruturas para elegê-lo deputado estadual.

Num domingo qualquer, cedo pela manhã, recebi uma ligação de Sérgio Guerra perguntando-me o que iria fazer naquele dia.

Respondi-lhe que nada; tão somente ficar em casa descansando.

Recebi dele então o convite para acompanhá-lo até o município de Agrestina, onde ele realizaria sua primeira aparição como candidato, na fazenda do ex-prefeito Cláudio Damasceno.

Durante a viagem conversamos sobre como ele se apresentaria aos presentes, pois nunca antes tinha se pronunciado publicamente como político e muito menos como candidato.

Durante o trajeto disse-lhe também, com pungente sinceridade, que não votaria nele e sim em Eduardo Pandolfi, bravo advogado de presos políticos.

Mas que comigo poderia contar, na condição de amigo, para conversar, acompanhá-lo a reuniões no interior ou outras contribuições de menor monta.

Zé Carlos nunca mais conseguiria reaver o seu mandato de deputado federal.

Foi eleito, sim, alguns anos depois, para a Assembléia Legislativa que ele abominava, do fundo do seu coração.

Morreu na condição de assessor especial do Governador do Estado, nomeado por Jarbas Vasconcelos e elegantemente mantido na função, já muito enfermo, por sua excelência o governador Eduardo Campos.

Sérgio Guerra, por sua vez, eleito deputado estadual, dava início a uma ascendente carreira política, só ofuscada pelo escândalo nacional dos anões do orçamento, do qual se saiu tão airosamente quanto sua excelência, o governador Eduardo Campos, do correspondente estadual escândalo dos precatórios: ambos foram declarados inocentes.

Na política, Sérgio Guerra comportou-se sempre como economista, financista pragmático, investidor implacável.

Aplicou as mesmas regras válidas para os negócios para conduzir-se na areia movediça da política, onde os caminhos nem sempre são de flores, mas por vezes espinhosos, requerendo dos protagonistas atitudes de resistência, tenacidade e até mesmo sacrifício.

Não errei ao negar-lhe o meu voto em 1982.

Negócio é negócio; política é política.

Anatólio Julião é Sociólogo