Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante cerimônia de inauguração do Campus Salgueiro do Instituto Federal do Sertão de Pernambuco Salgueiro-PE, 17 de agosto de 2010 Meu querido companheiro Fernando Haddad, ministro da Educação, Meu caro amigo Sebastião Rildo Fernandes Diniz, magnífico reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano – ele exigiu que eu falasse “do sertão pernambucano”.

Senhor Marcones Libório de Sá, nosso querido prefeito de Salgueiro, Vereadora Raimunda Barros Lisboa, presidente da Câmara Municipal de Salgueiro, Nosso companheiro Nilton da Mota, secretário de Educação do estado de Pernambuco, Nosso querido companheiro Fernando Bezerra Coelho, secretário de desenvolvimento econômico de Pernambuco, Nossa querida e eterna companheira Cleuza Pereira, assessora especial do Governador de Pernambuco, Meu querido Amâncio Holanda de Souza, diretor-geral do Campus Salgueiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnológica do Sertão Pernambucano.

Aqui, tudo tem que falar “do sertão pernambucano”.

Meu querido companheiro Reginaldo Bezerra da Silva, estudante do curso técnico em agropecuária, por meio de quem cumprimento todos os estudantes aqui presentes, Companheiros e companheiras, Senhores e senhoras, Jornalistas aqui presentes, Amigas e amigos, Eu, sinceramente, eu não vou ler o meu discurso.

Eu pensei que ia ouvir orquestra.

Quem é que proibiu de a gente ver o show da orquestra?

Não estava previsto? Ô nosso magnífico maestro, não estava prevista uma musiquinha para nós?

Depois que eu ouvir a música, eu falo umas bobagens aqui.

Uma ou duas?

Vamos lá.

Mais uma, rapaz.

Você sabe se eu vou ver vocês tocarem mais alguma este ano?

Vamos lá mais uma.

Depois eu falo menos, aí vou embora rápido.

Queridos companheiros da Opus 68, querido Luciano, quem é que poderia, há 30 anos, dizer que meninas e meninos tão jovens aqui do sertão estariam tocando a nossa rebequinha, mais conhecida como violino.

A gente só sabia que tinha orquestra de Berlin, que tinha orquestra de Moscou, que tinha orquestra de Varsóvia, mas quem sabia que tinha a orquestra de Petrolina?

Eu acho que essa é a coisa nova, Luciano, que está acontecendo no nosso país.

Eu acho que nós, um dia, acordamos e descobrimos que a construção de um país, ela se dá quando todas as coisas que você faz naquele país têm como princípio fundamental a valorização humana, o homem e a mulher.

Até porque são as pessoas que constituem uma nação; uma nação sem gente não é nação, é um território, é um pedaço de terra, é uma coisa qualquer, mas o que compõe uma nação de verdade é o seu povo, e quanto mais qualidade, quanto mais formação, quanto mais informação tiver o seu povo, mais essa nação será poderosa, mais essa nação será importante no nosso planeta.

Eu, de vez em quando, discuto com o meu companheiro Fernando Haddad.

Discuto com ele, porque tem coisas que eu compreendo, mas não entendo.

E continuo fazendo um esforço muito grande, continuo compreendendo, mas não consigo entender: por que este país, por que este país ficou tão atrasado com relação a outros países no investimento da nossa educação?

Seja do ensino fundamental, seja do ensino médio ou seja do ensino universitário.

Por que cidades como… no Peru, teve universidade 200 anos antes da nossa?

Nós somos praticamente o último país da América Latina a ter uma universidade.

Quem queria se formar aqui, que era filho de gente rica, poderia ir para Paris, poderia ir para Lisboa, poderia ir para a Inglaterra, mas no Brasil não tinha.

Tinha algumas faculdades e não, uma universidade…

Eu não conseguia entender por que tanta gente formada… porque este país já foi governado por advogados, já foi governado por professores, já foi governado por acadêmicos, por empresários, já foi governado…

Eu não vou dizer a formação de cada um, senão vão dizer que eu estou nominando problemas.

Mas a verdade é por que este país demorou tanto tempo para fazer o que qualquer ser humano sabia que tinha que ser feito: investir na educação deste país?

O Fernando Haddad se lembra, o Fernando Haddad se lembra, eu fiz uma pesquisa na nossa Secretaria de Planejamento Estratégico, qual era a coisa mais desejada pelo povo brasileiro.

E a coisa mais desejada pelo povo brasileiro, em todos os segmentos da sociedade que a gente perguntava, era a educação de qualidade.

Todo mundo compreendia que era necessário investir na educação, que era o melhor investimento que um governo poderia fazer.

Agora, quando perguntado se era possível fazer isso no Brasil, ninguém acreditava que fosse possível fazer no Brasil, porque nós tivemos muita gente com doutorado, com mestrado em Paris, em Londres, em Harvard, não sei mais onde, que presidiu este país e que não fez uma única universidade, uma única universidade, possivelmente porque a turma dele já tinha feito e ele não sabia que a nossa turma precisava fazer, ele não sabia.

Eles não sabiam que o Brasil não é construído de uma só turma, que o Brasil tem várias turmas e essas diversas turmas têm que ter as mesmas oportunidades.

Foi daí que nós assumimos o compromisso de triplicar o dinheiro do Ministério da Educação, como disse o Fernando Haddad.

Saiu de R$ 20 bilhões para R$ 60 bilhões o dinheiro do Ministério da Educação.

Em uma reunião ministerial, eu proibi utilizar a palavra gasto em educação.

Quando a gente dizia: “Vamos fazer uma escola?”. “Ah, não podemos gastar”.

Eu, então, proibi: toda vez em que a gente falar em colocar dinheiro na educação, você precisam entender como investimento, porque é o investimento mais estável possível é o que dá retorno mais rápido.

Em quatro anos ou cinco anos, você forma um ser humano, qualifica ele e ele vai poder produzir sabedoria e inteligência para o seu país.

E aí, a gente deixa de ser exportador de minério de ferro, de suco de laranja ou de soja, ou de qualquer outra coisa e a gente passa junto com isso a exportar sabedoria, conhecimento, inteligência, e aí, a gente se transforma em uma nação rica e poderosa.

Pois bem, mas nós entendíamos que era preciso mudar as coisas.

Como disse o companheiro Fernando Haddad, em 1998, um cidadão que tinha sido reitor da Unicamp, em São Paulo, reitor, não era pouca coisa, não.

Um cidadão que tinha sido reitor com o título de Magnífico Reitor da Unicamp, fez uma lei proibindo o governo federal de assumir responsabilidades por ensino técnico.

Passou a ser uma coisa da sociedade.

Quem queria, queria, quem queria, fazia, como se a sociedade pudesse fazer.

O Fernando Haddad se lembra de sindicato que nos procurou para devolver, porque tinham dado para ele a responsabilidade de fazer escola técnica, mas ele não tinha nem conhecimento, nem dinheiro e nós (incompreensível) a escola técnica para nós fazermos.

Então, nós tivemos que mudar a lei, tivemos que mudar a lei.

Então, quando vocês veem na televisão alguém falando com ódio, quando vocês veem na televisão alguém falando bravo, alguém xingando a gente, é porque essa gente, que a vida inteira governa esse país, desde que Cabral pois os pés aqui, de 1909 a 2003, eles fizeram apenas 140 escolas e nós, em oito anos, vamos fazer 214 escolas técnicas profissionais.

Então, essa gente, essa gente está com medo porque eu posso provar uma coisa, eu posso provar que inteligência não tem nada a ver com a quantidade de anos de escolaridade.

A escola te dá conhecimento, te aperfeiçoa, te especializa, mas inteligência é uma coisa que muita gente tem sem nunca ter ido a uma escola. É uma coisa que é dom de Deus, e na escola ele pode aperfeiçoar a sua inteligência.

Pois bem, nós estamos aqui inaugurando mais um pedacinho que o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano, do Sertão Pernambucano.

O que é importante, companheiros e companheiras, é que faltam quatro meses para eu deixar o governo, mas o que está criado no Brasil é um paradigma, ou seja, antes entrava um, não fazia nada, entrava outro, não fazia nada, entrava outro, porque não tinha paradigma, você não tinha um referencial.

Agora, todos vão ter um referencial, todos vão dizer: “Por que desde Dom Pedro, em 1847, que era Imperador todo poderoso, ele não conseguiu fazer o canal de São Francisco e um torneiro mecânico, pernambucano, conseguiu fazer?” Eles haverão de perguntar por que foi exatamente essa pessoa que está fazendo a Transnordestina, que é uma obra divina para o Nordeste brasileiro, eles vão perguntar por que é essa pessoa que está fazendo a Refinaria Abreu e Lima, o Pólo Petroquímico, o Estaleiro.

Por que o Nordeste está se desenvolvendo? É porque era preciso.

Prestem atenção em uma coisa: a nossa cabeça pensa de acordo com o chão que os nossos pés estão pisando.

Se você vai morar em um lugar pobre, a tendência é, com o tempo, você começar a falar a mesma linguagem e ter os mesmos hábitos.

Se você vai morar em um lugar rico, com pessoas ricas, a tendência é você também ir ficando refinado com o tempo.

Eu aprendi uma coisa sagrada: não esquecer o que eu fui e não esquecer o que eu sou, para não esquecer para onde eu vou voltar quando eu não for mais presidente.

Então, muita gente, quando conta miséria para mim, nem conte, porque eu já passei por isso, nem conte.

Contou miséria para mim, é pouco.

Quando eu vou a um lugar, o cara fala: “Ah, porque a minha casa encheu d’água”.

Eu cansei de acordar meia noite com um metro de água dentro de casa, cansei, cansei, cansei.

Cansei de tirar a minha mãe no colo uma hora da manhã; cansei de andar em boia d’água salvando gente, procurando velho, procurando criança, vendo cocô passar na minha cara, rato, barata, cansei.

Nego fala de fome, não fale, porque eu cansei de ver a lombriga maior comer a menor, roncando dentro da minha barriga.

Nego…

Fui catador de tanajura para comer.

Não comprava aqueles pacotinhos fritos, não, ia catar as bichinhas para comer, fritar e comer.

Nem todo mundo teria coragem de comer tanajura.

Mas eu sou de um tempo em que a gente matava até bizunga para comer.

Eu falei bizunga, porque o pessoal mais novo não sabe o que é bizunga, só os mais velhos.

Até “beija-fulô”, porque não tinha o que comer, você fazia…

Só saía de manhã, com uma peteca, para caçar, até borboleta você comia se fosse o caso.

O que não faz a fome?

Pois bem, foi exatamente por essa minha formação que eu nunca me conformei de o Nordeste ser tratado com o desrespeito que foi tratado durante muitas décadas neste país, muitas décadas.

Eu, todo mundo sabe que eu sou nordestino, amo o meu Nordeste, devo tudo o que eu sou a São Paulo, sou agradecido a São Paulo, acho maravilhoso tudo o que tem por lá.

Agora, acho que o Brasil tem que ser governado por gente que se preocupe em cuidar deste país.

A palavra correta é cuidar, é tratar de cada um dos 190 milhões de brasileiros com carinho, com amor, dando oportunidade. É por isso que esse moço criou o ProUni.

Fernando Bezerra, nesses dias nós fomos a uma festa onde se formaram os primeiros 414 jovens da periferia em medicina, pelo ProUni – pobre virando médico neste país.

Agora, nós vimos a turma formada em engenheiro ferroviário; daqui a pouco eu vou ver os engenheiros de Tucuruí formados agora, Fernando.

E a gente vai, assim, preparando o povo brasileiro, preparando; o sertanejo vaio tendo benefício; a água vai chegando; o trem vai chegando; os benefícios vão chegando, para que a gente pare de ter uma banda rica e uma banda pobre.

Antigamente, todo o dinheiro da cultura do Brasil ia para São Paulo e para o Rio de Janeiro.

Quando a gente resolveu socializar: “Não, vai para o Rio, vai para São Paulo, mas vá um pouco para o Amazonas, um pouco para o Acre, um pouco para Pernambuco, um pouco para a Paraíba, um pouco para o Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, ou seja, vamos levar um pouquinho de dinheiro para todo mundo”.

Por que só o artista de um lado é que recebe os benefícios e os artistas do outro não recebem nenhum benefício?

Bem, então eu acho que daqui a pouco a gente vai estar vendo as coisas melhores.

Não sei se vocês sabem que quando nós entramos no governo apenas 1,3% dos doutores formados, no Brasil, era do Nordeste, apenas 1,3% dos doutores formados eram do Nordeste.

Agora, já são 9,5% dos doutores no Nordeste.

A coisa mais importante é que, este ano, a maioria de pessoas formadas doutores foram mulheres, 51% contra 49% dos homens.

Então, isso demonstra que começa a ter uma mudança no Brasil.

E eu acho que vocês vão colher isso.

Leva pelo menos mais uns dez anos para a gente mudar radicalmente, quem sabe, até um pouco mais.

O dado concreto é que nós começamos e não tem retorno.

E eu queria falar para a juventude: pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, meninos e meninas deste sertão nordestino, vocês têm que transformar, quase que em profissão de fé a vontade de estudar de vocês, vocês têm.

Sobretudo, e eu falo em todo lugar, sobretudo, a mulher.

A mulher, mais do que qualquer outro ser humano, precisa estudar e estudar muito, porque tem muito preconceito contra a mulher.

A mulher sempre foi tratada como se fosse de segunda categoria.

Então, a mulher precisa estudar, estudar.

Não é correto uma mulher viver com um homem porque ele lhe dá um prato de comida, não é correto, não é correto.

A mulher tem que trabalhar e ganhar o seu salário para ela ser independente.

Ela vai viver com quem ela quiser porque ela gosta de viver, mas não porque depende de um prato de comida ou de um pedaço de pão.

E aí, precisa, realmente, estudar, realmente, estudar.

Uma das coisas que eu admiro é minha mãe: é que a minha mãe era analfabeta, mas ela teve a coragem de largar do meu pai, com oito filhos, e ir morar sozinha.

Não são todas as mulheres que têm.

Algumas sofrem humilhações por causa da casinha para morar, por causa do pão de cada dia, o que não é justo.

E o homem também tem que se formar.

Um homem sem profissão, a gente não vale nada, a gente não vale nada.

A gente sai para procurar emprego sem profissão, ninguém dá importância para a gente, ninguém. “Ah, o que você sabe fazer?

Nada.

Não sabe fazer nada?

Então não tem vaga.” Você tem que ter uma profissão e a idade de estudar é essa.

Não há nenhuma razão para um jovem ter preguiça, não há nenhuma razão para um jovem desanimar.

Quando a gente está velho, a gente pode até desanimar porque já está no fim da vida, mas vocês, vocês estão no começo da vida, vocês são uma flor desabrochando.

Vocês não sabem ainda o que vocês podem significar. É por isso que não depende apenas do governo fazer escola, depende da gente criar consciência de que essa idade é a idade de vocês formarem o caráter de vocês, vocês se formarem profissionalmente e vocês estão percebendo a quantidade de emprego que está surgindo aqui no sertão.

Eu peço a Deus que, agora, quando vocês quiserem ir para São Paulo, ninguém vai mais falar para trabalhar de pedreiro, saiam daqui para ser engenheiros em São Paulo, no Rio de Janeiro, onde for necessário.

Da mesma forma que vem de lá para cá, vai daqui para lá, mais graduado.

Então, eu queria, meu querido Reitor, lhe cumprimentar, cumprimentar o Prefeito de Salgueiro e cumprimentar esse moço aqui, porque esse moço aqui, o Fernando Haddad… a história vai marcar os ministros da Educação neste país e ninguém cuidou mais da educação, ninguém foi mais genial para criar um ProUni.

O ProUni, hoje, tem 704 mil alunos da periferia deste país, todos estudantes de escola pública, fazendo curso superior.

Já são 118 mil jovens formados neste país pelo ProUni.

O ReuUni, nós conseguimos dobrar, em um ano, o número de matrículas nas universidades federais, que historicamente renovava 113 mil jovens por ano.

No ano passado, foram 227 mil jovens que entraram nas universidades particulares.

Mais as novas e os campi que estamos fazendo, eu acho que nós começamos e devemos a esse moço.

Devemos a esse moço o trabalho.

E nós achamos que não fizemos tudo, não, está só começando, está só começando, tem coisas para fazer.

O que eu quero?

O que eu quero é que os filhos dos pobres deste país tenham, no século XXI, a chance que eu não tive no século XX.

O que eu quero é que este país seja um país onde ninguém deixe de estudar porque não tem dinheiro, onde ninguém deixe de estudar porque é pobre, onde ninguém deixe de estudar porque é negro, onde ninguém deixe de estudar porque está desempregado. É obrigação do Estado brasileiro garantir a todos os seus jovens o direito de estudar, de se formar, para poderem viver e construir uma vida tranquila.

Por isso, meus queridos e queridas companheiros de Salgueiro, o sol está baixando, o aeroporto não tem luz, o avião tem que sair com a luz do dia e eu tenho que me despedir de vocês e ir me retirando.

Um grande abraço.

Que Deus abençoe todos vocês.

Um abraço.