Por Luciano Siqueira As palavras o vento leva, diz o nosso povo.
Por isso é providencial escrevê-las.
A escrita, um marco no desenvolvimento da sociedade humana, veio para facilitar a comunicação entre as pessoas, informando, esclarecendo, perenizando intenções, gestos, acontecimentos.
Mas nem sempre o que está escrito esclarece, antes confunde o leitor pouco afeito ao assunto.
Pelo menos quando o texto é em burocratês, como o parágrafo seguinte (extraído de um documento oficial): “(A lógica da complexidade) aponta para o entendimento de que a disposição criminosa dos nossos dias se efetiva através de um formato de rede e a perspectiva do risco.
Esse deslocamento analítico coloca a criminalidade no foco da complexidade, pulverização, desraizamento, desterritorialização e que, por conseguinte, implica a produção de estratégias de controle que devem seguir a mesma lógica da complexidade, que trabalhem a defesa da sociedade na perspectiva da capilaridade social, da construção e mobilização de uma prática embasada em referências advindas da produção de um saber que contempla, ao mesmo tempo, a concepção crítica, multidisciplinar e pluridimensional do fenômeno criminal.” O conteúdo parece correto.
Porém aos simples mortais, pouco entrosados com a cultura estatal e acadêmica, não é nada fácil compreender.
Pois isso é muito comum.
Em todo fórum destinado a debater políticas públicas, a formular planos e programas, há que respirar fundo e digerir textos assim.
Qual a causa?
Será uma maldição histórica?
Há quem assegure que a escrita nasceu justamente associada à burocracia.
As sementes do burocratês teriam dado seus primeiros frutos na Mesopotâmia, entre os rios Tigre e Eufrates, onde surgiram as primeiras civilizações urbanas, cidades de Lagash, Umma, Nippur, Ur e Uruk, entre o sexto e o primeiro milênio AC.
Por necessidade de controle administrativo, fizeram-se os registros contábeis relativos a produtos agrícolas e pecuários.
Os escribas – espécie de funcionários qualificados – deles davam conta.
Com a evolução da sociedade, o surgimento do Estado e a complexificação (veja que termo!) dos mecanismos de poder, os escribas modernos procuram construir prestígio e influência pelo uso de um dialeto próprio – o burocratês – que, se não ajuda a resolver os problemas, pelo menos dá tom solene e austero a pareceres e relatórios.
Tanto que em qualquer órgão público é fácil encontrar especialistas.
Basta dar o mote.
Modelos preexistentes permitem a feitura quase imediata de documentos que irão torrar a paciência de eventuais leitores e ocupar espaços nas prateleiras de prefeituras, secretarias, ministérios.
E assim caminha a Humanidade – ou, melhor dizendo, a impávida burocracia estatal-acadêmica (salvo, felizmente, alguns técnicos mais sensíveis e operosos).
Resta-nos o divertido passa-tempo de traduzir os textos para o português comum e reduzi-los – acredite – na maioria das vezes, a um quarto ou a um quinto do original.
Para chegar, invariavelmente, à quase óbvia conclusão de que, em matéria de gestão pública, uma vez definidos objetivos e metas, são efetivamente decisivos três fatores: recursos financeiros, gente capacitada e participação popular.
Só.
Com todo o respeito aos especialistas em textos rebuscados.
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