Por Marcia Bastos Balazeiro A Constituição Federal, em seu art. 14, § 9º estabelece a necessidade de proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do mandato eletivo, considerada a vida pregressa do candidato, a normalidade e a legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
Com efeito, o Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela exigência de eleições livres e periódicas, regidas por normas que permitem a legítima participação popular expressa através do voto, bem assim pela existência de mecanismos de controle autônomos e independentes, capazes de limitar a atividade dos detentores de mandatos eletivos, aos estritos termos dos princípios constitucionais.
Não é por acaso que em face da constante contradição entre o “dever-ser” e a prática política, no centro do debate político brasileiro atual, se destacam os temas corrupção e Ficha Limpa.
Afinal, a Lei do Ficha Limpa constitui um marco da participação popular em nosso país, na medida em que contou com um abaixo-assinado com 1,6 milhão de assinaturas, no qual eleitores exigiram do Poder Legislativo a inelegibilidade dos políticos condenados por crimes eleitorais, improbidade administrativa, lavagem e ocultação de bens, dentre outros.
Ocorre que, essa discussão não é o bastante.
Analisando criticamente o processo eleitoral no Brasil, impõe-se trazermos à lume o debate acerca da reforma política, efetivamente necessária à implementação de uma democracia mais próxima dos ditames constitucionais.
Afinal, como explicarmos: 1)que em nosso país, boa parte da população não se recorda do nome do candidato no qual votou nas últimas eleições? 2)que estamos assistindo o surgimento de uma geração, cada vez mais, desinteressada pela política? 3)o financiamento milionário de campanhas políticas, comprometendo a igualdade da disputa eleitoral? 4)a “compra e venda” de votos e a prática da velha política do “clientelismo” ? 5)a “troca de favores”, entendida como promessa de empregos e cargos públicos, ou recebimento de vantagens econômicas, expressas na assinatura de contratos públicos fabulosos, celebrados sem prévia licitação? 6)a contínua mudança de partidos políticos por parte dos pretendentes a mandatos eletivos, demonstrando clara ausência de ideologia partidária? 7)a formação de inúmeras coligações partidárias, em níveis federal, estadual e municipal, sendo que nem sempre a coligação em um nível federativo se repete em outro? 8)o abuso do poder econômico, expresso através da distribuição de vantagens e prêmios? 9)o abuso do poder político, através do uso da máquina estatal para promoção pessoal, distribuição de favores, cargos e gratificações para os “aliados políticos”? 10)os desvios de finalidade praticados por ocupantes de mandatos eletivos e cargos públicos que, através de atos administrativos formalmente legais, porém, de mérito administrativo eivado de vícios, tem como única pretensão promover “favoritismos” ou “perseguições” políticas, conforme ocupantes de cargos públicos sejam seus aliados ou seus opositores políticos?
Por isso, a representação política não pode ser simplesmente teórica.
Urge que tomemos à frente do processo eleitoral, demonstrando a verdadeira força do voto consciente, fundado no interesse popular pelas decisões da classe política.
Do contrário, segundo Dalmo Dallari, “se o povo não tem participação direta nas decisões políticas e se, além disso, não se interessa pela escolha dos que irão decidir em seu nome, isso parece significar que o povo não deseja viver em regime democrático (…)” Não podemos coadunar com o uso da máquina administrativa em período eleitoral, sejam as eleições para mandato eletivo federal, estadual, municipal ou para chefes de poder ou instituição pública.
Naturalmente que o candidato que já está no poder, detém uma posição de evidência, vez que no exercício cotidiano de suas atividades, está sempre na mídia.
Até aí, nada demais, desde que não faça uso de seu cargo, do Diário Oficial e das inaugurações de obras públicas como “palanque eleitoral” em prol de determinado candidato- o que desequilibra o jogo de forças do processo eletivo.
Será que a legislação eleitoral vai continuar sendo descumprida pelo chefe maior de nossa nação?
Nesse contexto, necessário se faz que nossa Justiça eleitoral seja cada vez mais célere na apuração das representações eleitorais.
Os eleitores e partidos políticos tem o dever em denunciar situações de abuso de poder político e econômico e o direito de ter uma resposta judicial rápida, dentro das normas do devido processo legal.
Tanto a Administração, quanto os administrados devem respeitar os ditames postos pelas leis, expressão maior da democracia.
Ocorre que, segundo leciona Márcio Nascimento in “O Controle da Administração Pública no Estado de Direito”, não basta o atendimento à lei formal para que uma determinada conduta administrativa seja legal, posto incidir sobre a Administração também a lei ética, distinguindo-se o bem do mal, o honesto do desonesto, o justo do injusto, o oportuno do inoportuno, o conveniente do inconveniente.
Cabe aqui ressaltar que para um processo eleitoral democrático e sério, fundamental se verifica a necessária posição de independência e autonomia dos órgãos de controle externo da administração, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, de modo a apurarem, com total isenção, a regularidade ou não do uso de verbas públicas por parte dos ordenadores de despesas, os quais, muitos deles, voltam a se candidatar a cargos públicos.
Enfim, somente com participação e interesse político, uma criteriosa reforma política, uma justiça eleitoral célere e órgãos de controle e fiscalização autônomos e independentes, podemos dizer da existência de uma efetiva democracia eleitoral no Brasil.
PS do Blog.
A autora é Promotora de Justiça, Especialista e Mestranda em Ciências-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL)