Jarbas Vasconcelos com selo de origem Por Anatólio Julião Encerrada a convenção do PDT, a nossa indicação como candidato a vice-prefeito na chapa “Novos Caminhos” do PDT, encabeçada por João Coelho, tinha sido substituída pela do empresário Ricardo Carvalheira, dono da Farmácia dos Quatro Cantos, “por ser rico e poder bancar a campanha”.

Voltei para casa pensando ter levado a maior rasteira da minha vida.

Era o ano do Senhor de 1985.

Qual a minha surpresa quando, aos poucos, diversos correligionários com os quais não tinha maior aproximação começaram a chegar ao nosso apartamento do Edifício Riviera, na Rua do Hospício: João Rego, Nadeje Domingues, Valteir Silva, entre muitos outros.

Percebi que estava à frente a uma dissidência do partido, que viria a ganhar o nome de Grupo Socialista do PDT, todos os seus integrantes revoltados com os procedimentos adotados para a nossa substituição e, todos igualmente, decididos a não mais votar na bizarra chapa anunciada no decorrer da convenção, incluindo um nome recém-filiado à agremiação e escolhido pelo tamanho do seu saldo bancário.

O grupo decidiu reunir-se com cada um dos candidatos que concorriam à vaga de prefeito do Recife na primeira eleição direta depois da anistia, com o objetivo de decidirmos em quem votar, e a decisão recaiu, por unanimidade, sobre o então deputado federal, Jarbas Vasconcelos.

O problema é que Jarbas tinha apenas 3,5% das intenções de voto, e ninguém dava um vintém por sua postulação.

Assim, recebemos a visita oficial de Dr.

Francisco Julião, no sentido de demover-nos da idéia de dissidência e de exortar-nos à reintegração humilhante à campanha do PDT.

Fomos à luta.

E Jarbas, em duríssima campanha, conseguiu sair dos 3,5% iniciais para chegar à vitória com exatos 33,5%, batendo o seu principal adversário, Sérgio Murilo, enquanto o candidato do PDT, vereador João Coelho alcançava espantosos 100.000 votos.

Não conhecia Jarbas Vasconcelos de perto; apenas superficialmente.

Pela sua luta contra a ditadura e na defesa de presos políticos; por ter fundado o MDB em quase todos os municípios de Pernambuco; e, por ter derrotado sozinho, nas eleições de 1978, dois candidatos chapas-brancas ao senado – Nilo Coelho e Cid Sampaio – encangados pelo artifício da sublegenda, ganhando dos dois, mas “perdendo” para a soma dos votos deles, numa das mais repugnantes artimanhas do regime militar para derrotar os seus opositores.

Tinha sido a ele apresentado em um barzinho, à beira-mar de Olinda, pela escritora Maria Áurea, quando saíamos de uma confraternização de funcionários da firma onde trabalhava.

Iniciada a campanha, fui convidado a participar da primeira caminhada de Jarbas, no Córrego do Jenipapo, às margens da BR-101 Norte.

Cheguei ao local marcado, e ali estavam Cadoca, Raulzinho e o falecido João Negromonte.

O grupo conversava sobre a conveniência de fazer a caminhada assim, sem qualquer preparação prévia.

Alguém até anteviu a possibilidade de uma vaia.

Nesse momento chegou Jarbas e perguntou sobre o que se discutia no grupo.

Informado devolveu, resoluto: “Nós viemos aqui para caminhar no meio do povo, e é o que vamos fazer”.

Voltou-se para a bandinha do Lessa, composta por cinco músicos e ordenou. ”Bota esse negócio pra tocar”, ao que os músicos responderam com desafinadas notas de um conhecido frevo.

Jarbas desceu a encosta da BR para a pista local e adentrou uma das ruas laterais do Córrego.

Meio sem jeito, acompanhei os seus movimentos dando início à caminhada.

Alguns minutos depois, Jarbas indo de porta em porta, comecei a sentir às minhas costas a movimentação da massa, crianças pulando e frevando, a poeira e o calor tomando conta de tudo.

Voltei-me e percebi que a iniciativa funcionara.

O povo estava na rua e seguia o candidato.

Continuamos subindo a rua e, de repente, voltando-se para a esquerda, Jarbas parou diante de uma enorme escadaria.

Olhou para cima, e começou a subir.

Pensei: “ele não chega lá encima”.

Chegou.

E quando desceu pelo outro lado da encosta, estava-mos no largo do Córrego do Jenipapo.

Ali, em cima de uma minúscula pick-up Fiat 147, fizemos o primeiro comício da campanha.

No “palanque” apareceu, não sei de onde, o diminuto Miguel Batista que também falou ao povo.

Os comícios sucederam-se, cada vez maiores.

Em cada lugar que chegávamos Jarbas assumia um compromisso com a população: no comício do Sítio dos Pintos, onde entramos deixando os sapatos enterrados na lama: fazer o calçamento e calçar o vizinho Córrego da Fortuna; no da UR-1: derrubar o “muro da vergonha”, construído por um empresário sobre o terreno da praça.

No da caixa d’água da UR-7, na Várzea: fazer o acesso, já que para ali chegar os seus moradores tinham que ir até São Lourenço da Mata, para fazer o retorno.

Nos Córregos da Nega, do Morcego e da Loura, urbanizá-los, pois mais pareciam Guernica após o bombardeio.

E centenas de outros.

Já na Administração – da qual o governador Eduardo Campos, adolescente, participou como oficial de gabinete d’algum Secretário – vez por outra éramos convocados: “Hoje, a tal hora, ônibus da CTU saindo para tal destino.

Todo mundo lá”.

Era Jarbas que ia cumprir mais um dos seus compromissos.

O mais emocionante de todos: a derrubada do “muro da vergonha”.

Palanque armado na praça da UR-1, Jarbas lembrou seu compromisso.

Pediu a João Humberto Martorelli para ler as determinações da justiça ordenando a reintegração de posse da área e a ordem para a demolição do acintoso muro.

Em seguida, a convocação para que todos os presentes participassem da mesma derrubada do “muro da vergonha”.

No escuro, milhares de mãos encostadas ao paredão, entre elas as de Jarbas, e o muro começou a balançar, cada vez mais, até cair estrondosamente para dentro do quintal do empresário que era, na verdade, a praça que pertence ao povo.

Estávamos diante de um ato de força popular totalmente amparado pela lei.

Depois de tudo isso que vivenciei – certamente os acontecimentos mais importantes da minha modestíssima vida política – não tenho porque duvidar que Jarbas, apesar de toda as adversidades, fará uma memorável campanha, levando a bom termo a empreitada a que se entregou com desmedida generosidade e entusiasmo.

Anatólio Julião Sociólogo Recife, 03 de agosto de 2010.