Marcos Nobre, na Folha de São Paulo de hoje O alinhamento eleitoral se completou.
Serra moveu-se para a direita -segundo a mesma coreografia do contragosto que costuma executar nessas ocasiões.
Dilma pretende continuar na moita -idealmente, até o segundo turno, se não houver como evitá-lo. É comum ouvir que Serra tem de carregar o fardo da impopularidade dos anos FHC.
Mas não se costuma ouvir o quanto essa herança ajuda a candidatura de Serra.
E, para tirar Dilma da toca, Serra terá de queimar sem piedade o capital acumulado pela marca FHC.
A hegemonia tucana dos anos FHC foi construída sobre os slogans da “responsabilidade” e da “confiabilidade”. É esse o branding da aliança demo-tucana, é o seu principal patrimônio eleitoral.
A ideia, claro, sempre foi a de fazer do polo petista o lugar da “irresponsabilidade”.
E nisso pelo menos a força demo-tucana se faz sentir até hoje.
Mesmo depois de oito anos de governo, o PT continua atemorizado pela ideia de não parecer “confiável”.
Um negativo disso aconteceu no único episódio até agora em que a campanha de Dilma saiu da defensiva: quando tentou colar em Serra a intenção de acabar com o Bolsa Família.
A resposta do candidato simplesmente desnorteou a campanha governista.
Serra trucou e retrucou: disse que dobraria o número de famílias atendidas pelo programa.
Aí veio uma espantosa e inesperada reação da campanha de Dilma: essa não seria uma proposta realista e factível!
O slogan de campanha de Serra parece anódino -“O Brasil pode mais”.
Mas pode bem não ser.
Serra começa a dizer com todas as letras que o governo Lula é tímido.
Que Dilma é uma candidata sem ideias novas, sem visão de futuro.
Que, como no caso de sua proposta de ampliação do Bolsa Família, é possível “fazer muito mais”.
Na saúde, na educação e na segurança, principalmente.
Perguntado sobre os recursos para implantar sua proposta relativa ao Bolsa Família, Serra recorreu ao velho truque do quanto o país paga de juros.
Basta pagar menos juros.
Nisso, só faz seguir na trilha aberta pela atuação demo-tucana no episódio recente do aumento do salário mínimo pelo Congresso.
A oposição “confiável” e “responsável” ajudou a derrotar o projeto de Lula e a aprovar um aumento maior e mais extensivo.
E jogou o resultado nas costas do próprio Lula, que acabou sancionando um aumento que dizia antes ser impossível.
Serra não tem nada a perder senão a eleição.
Vai queimar todo o estoque de “confiabilidade” herdado dos anos FHC.
Sem medo de ser tachado de “irresponsável” ou “populista”.
Afinal, “isso é coisa do PT”.
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras no jornal