Por Marcia Bastos Balazeiro A Lei do Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados por um colegiado de Justiça, suscita um importante debate acerca da probidade e da moralidade na e para a investidura não apenas em mandatos eletivos, mas também em cargos públicos em geral.

Como se sabe, para a investidura em cargos públicos por concurso, o candidato deve apresentar folha de antecedentes criminais negativa, submetendo-se a minuciosa investigação de sua vida pregressa.

Ocorre que, embora haja, a princípio, um aparente rigor para o ingresso mediante concurso em cargo público, necessário se faz refletirmos sobre algumas questões: 1º) Por quê tal rigor não é exigido, em igual medida, do ocupante do cargo público, de modo a expurgar os servidores e membros da administração pública que passaram a apresentar “fichas sujas”?

Lembremos, por exemplo, que no final do ano passado, o STJ admitindo, por dois anos, a suspensão do processo em que um magistrado federal respondia por falsidade ideológica, surpreendentemente, autorizou que o M.M.

Juiz em questão voltasse a exercer suas funções, “distribuindo” a justiça…. 2º) Em face da nova Lei do Ficha Limpa, que exige para a investidura em mandato eletivo que o indivíduo não tenha sido condenado por órgão colegiado, esta exigência não deveria também ser estendida aos candidatos a cargos públicos e seus ocupantes, em homenagem aos Princípios Constitucionais da Moralidade e da Probidade?Até então, para a investidura em cargos públicos em geral, apenas é exigida a folha de antecedentes criminais negativa do pretendente.

Desse modo, se o indivíduo responde a um processo criminal o qual ainda não foi julgado em última instância, e em face do qual ainda pode propor recurso, nada obsta, pelo entendimento atual, seu ingresso no serviço público mediante concurso. 3º) A Lei do Ficha Limpa, devido à lacuna no que tange a sua aplicação para a investidura em cargos públicos em geral, não corre o risco de ser desvirtuada?

Basta imaginarmos a seguinte situação: o político “A”, que tem expressivo número de eleitores fiéis, se torna inelegível para candidatar-se a deputado, em razão da Lei do Ficha Limpa.

Em razão disso, passa a apoiar determinado candidato financiado por um grupo político, o qual, em troca, consegue sua nomeação em cargo público de confiança, vez que para este, não é feita qualquer avaliação acerca da vida pregressa de seu ocupante…

Como justificar que , recentemente, o presidente da república indicou para o cargo de Ministro do STF condenado pela Justiça, em dois processos, cuja mais recente decisão determina que este devolva aos cofres públicos a quantia de 700.000 reais?

Não assiste razão aos que defendem que a Lei do Ficha Limpa viola o Princípio da Presunção de Inocência.

Em verdade, verifica-se “in casu” uma situação de colisão de princípios constitucionais: o Princípio da Moralidade e o Princípio da Presunção de Inocência.

Nesse cenário, a lição de Robert Alexy é de fundamental importância, na medida em que explica que em face de uma colisão de princípios, diferentemente da colisão de regras, um dos princípios prevalece, temporariamente, em face do outro, sem que isto signifique que haja superioridade de quaisquer destes, levando-se em conta o bem jurídico que se pretende tutelar com maior relevo.

Através de um exercício de ponderação de valores, o que seria mais relevante tutelar: o interesse de um indivíduo em investir-se em mandato eletivo ou cargo público, ou o interesse maior da sociedade de ter candidatos a gestores da coisa pública com vida pregressa ilibada?

Não se trata de vilipendiar a Constituição, mas sim de interpretar-se seus princípios em consonância com os anseios da sociedade.

Vale dizer que o debate sobre o Ficha Limpa não pode ser dissociado do tema da reforma política.

Uma mudança substancial na legislação acerca das eleições e do financiamento das campanhas eleitorais deve ser discutida.

Mas, não se pode negar a importância da legislação sob análise, fruto da iniciativa popular através da qual eleitores de todo o país exigiram do Poder Legislativo a inelegibilidade dos políticos condenados por crimes eleitorais, improbidade administrativa, lavagem e ocultação de bens, dentre outros.

O que se faz necessário no momento é não deixar esmorecer o debate sobre a ética e a moralidade na política, com vistas a ampliar-se o alcance da Lei do Ficha Limpa para a investidura em todos os cargos públicos.

PS: Marcia Bastos Balazeiro é promotora de Justiça e especialista e mestranda em Ciências-Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL)