Coerente e otimista IDEIAS ENTREVISTAS - ARMANDO MONTEIRO FILHO Perto de completar 85 anos, o empresário e político pernambucano relembra fatos marcantes da história e reflete sobre o futuro do Brasil A Sergio Lírio Nascido em uma família de usineiros tradicionais de Pernambuco.

Armando Monteiro Filho escolheu o caminho menos provável na política.

Considera Getúlio Vargas o político brasileiro mais importante no século XX, foi ministro da Agricultura do governo parlamentarista de João Goulart, quando propus um imposto contra o latifúndio e a favor da reforma agrária, fez oposição a ditadura, foi um dos fundadores do MDH, ingressou no PDT de Leonel Brizola e é grande amigo de Lula desde os anos 80.

Segundo Monteiro Filho, empresário por herança e político por paixão, suas opções não foram ideológicas, mas éticas. “Era aliado das forcas depostas e não poderia compactuar com o golpe”, afirma.

Perto de completar 85 anos, o pernambucano que sonhou ser jogador de futebol na juventude conta sua vida na biografia Foi Assim, resultado de uma série de entrevistas no jornalista e amigo Mário Hélio.

Mais do que um relato de suas façanhas empresariais e eleitorais, o livro registra os fatos a partir da perspectiva de quem participou diretamente ou teve uma visão privilegiada dos últimos 60 anos do poder no Brasil.

E também a história de um homem público coerente, que nunca mudou de lado e que sempre assumiu as consequências das próprias escolhas.

Nesta entrevista, Monteiro Filho analisa o passado, o presente e o futuro do País.

Carta capital: O senhor está otimista com o Brasil?

Armando Monteiro Filho: Tenho um defeito, ser otimista demais.

Mas não é o caso agora.

O Brasil vai muito bem, Lula foi realmente uma surpresa para muita gente, não para mim.

Eu sempre votei no Lula para presidente.

Só não votei uma vez no primeiro turno, mas no segundo, em 1989.

Foi porque era do PDT e Leonel Brizola era candidato.

Fui fundador do MDH.

Quando foi extinto o MDB, optei pelo PDT graças a uma boa relação que havia construído com Brizola entre a renúncia de Jônio Quadros e o governo João Goulart.

Estivemos do mesmo lado na resistência ao golpe de 1964.

CC: O Brasil estaria melhor se o governo Jango não tivesse sido interrompido pelo golpe?

AMF: Tenho uma versão a respeito do golpe de 64.

Primeiro, o suicídio de Vargas protelou o golpe, que estava sendo tramado só em 1954.

A oposição, a UDN mais especificamente, nunca se conformou com o prestígio de Vargas, e depois com a popularidade do Juscelino Kubitschek, com o êxito de JK em mudar o Brasil.

E conspiravam.

CC: O senhor diz que sempre votou em Lula.

E uma posição rara entre empresários.

Por que o senhor acha que, até hoje, boa parte do empresariado refratária a Lula?

AMF: Um grande empresário de Pernambuco, até meu parente, tinha horror a Lula.

Achava que era comunista.

Mudou.

Na última conversa que tivemos, ele defendia um terceiro mandato para o presidente.

O Brasil nunca teve uma época de tanto equilíbrio em suas contas.

Devíamos muito ao Fundo Monetário Internacional, ao Clube de Paris, e hoje somos credores do FMI.

Nossas reservas cambiais superam os 250 bilhões de dólares.

Lula mudou o conceito do Brasil.

Antes, nosso país era conhecido por Pelé. pelo futebol e pelo carnaval.

Hoje é levado a sério, as teses de Lula são absorvidas pelos países mais ricos do mundo em relação a fome.

Foi realmente uma revolução e nunca houve um presidente com essa popularidade, mais de 80%. É um caso vivido na nossa história.

E Pernambuco também vai muito bem.

Temos um governador (Eduardo Campos) moderno, apaixonado, obcecado pelo desenvolvimento econômico.

O canteiro de obras mais importante do Brasil é o Porto de Suape.

Todos os estaleiros, a refinaria de petróleo, uma infinidade de pequenas e médias indústrias estão lá instalados.

De maneira que Pernambuco vive também um alto astral.

CC: Há uma sensação em Pernambuco de que o estado recuperou um pouco do protagonismo do passado.

E isso mesmo?

AMF: É.

Antes todos tratavam os usineiros como leprosos.

Lula veio e apoiou o etanol e o biodiesel e passou a dizer que os usineiros são patriotas.

Nunca houve tanto estímulo para a produção de açúcar e de grãos.

Ele tem dado aulas de administração pública, para surpresa de muita gente.

Houve duas grandes transformações no Brasil.

O governo de Juscelino foi uma mudança de rumo.

Um primeiro passo importante foi dado por Vargas com a siderúrgica de Volta Redonda.

Juscelino disparou a indústria automobilística e agora Lula criou esse fato muito importante que é o avanço da economia brasileira.

Não teve preconceito com o passado.

O projeto de Fernando Henrique no que diz respeito a câmbio e inflação foi aprimorado.

Ele foi leal a isso, cumpriu rigorosamente, respeitou os investimentos e os acordos internacionais.

Deu uma demonstração de capacidade fora do comum.

Sou entusiasta do seu governo.

CC: No seu livro, o senhor afirma que Getúlio Vargas foi o mais importante político brasileiro do século XX.

Por quê?

AMF: Ele evitou que o Brasil se polarizasse politicamente, tivesse uma guerra civil.

Atendeu ao operariado, foi o criador do salário mínimo, o desenvolvimento também fluiu, fez a siderúrgica de volta Redonda.

Considero-o um estadista.

Getúlio foi um homem excepcional.

Tomou uma infinidade de medidas que demonstraram a grandeza de sua administração.

CC: Quando ministro da Agricultura, o senhor propôs um imposto sobre terras ociosas para financiar a reforma agrária.

Queria saber…

AMF: Se o meu projeto tivesse sido aprovado, hoje não haveria invasão de terra, porque o estoque seria enorme.

Qual era a sutileza do projeto?

Transferir o imposto territorial rural do município para a União.

A ideia era taxar 10% ao ano sobre o valor da propriedade declarada pelo proprietário.

Se ele tivesse 10 mil hectares, ele poderia pagar em terras.

Daria mil hectares.

Ou ele vendia ou chamava um sócio e a desenvolvia.

Iríamos forçar a utilização da terra.

CC: Ainda e necessária uma reforma agrária?

AMF: Necessária é, embora o problema tenha se alterado.

Quando fui ministro, 70% da população morava no campo.

Hoje, 80%, mora na cidade.

Para ser agricultor é preciso vocação. É uma atividade complexa: não pode chover demais, não pode ter seca, de maneira que é uma atividade muito precária, e a pessoa precisa ter aptidão para desenvolver essa técnica.

Temos um setor agrícola, um agronegócio, dos mais organizados e eficientes do mundo.

CC: Como o senhor, filho de uma família tradicional de usineiros, foi parar no governo Jango e no PDT de Leonel Brizola?

AMF: Não foi por motivos ideológicos, mas éticos.

Fui vice-líder no governo JK e do PSD.

Não poderia de forma nenhuma pactuar com o que foi feito com o golpe, sobretudo por ter ligações com as forças depostas.

CC: Antes de ingressar na política, o senhor enveredou pelo futebol e chegou a jogar no Sport.

A inda gosta de futebol?

AMF: Muito.

Não vou mais ao estádio porque na televisão se vê muito melhor.

Torço muito pelo meu velho clube, o Sport Club do Recife.

Fui campeão invicto dois anos e no final recebi esse convite para jogar no São Paulo.

Mas meu Pai era contra.

CC: O que o senhor achou da seleção Brasileira de Dunga especialmente?

AMF: Não tenho essas simpatias todas por Dunga, mas acho que fizeram um papel miserável com ele na hora em que o demitiram por telefone.

Ele sempre empenhou, esse time venceu muitas vezes, cresceu, ajustou-se, da maneira que uma derrota é sempre imprevista no futebol.

Nos dois anos que joguei no Sport, fomos campeões.

O pior time da tabela era o Ibis.

Quatro vezes jogamos com o Ibis, sempre como os primeiros da tabela, e não vencemos nenhuma, empatamos todas.

O futebol tem dessas surpresas.

CC: O senhor, na introdução do livro, cita Machado de Assis: “O passado é a melhor parte do presente”. É isso mesmo?

AMF: Acho uma frase bonita e verdadeira.

CC: Por quê?

AMF: Quem controla o passado controla o presente.

Quem controla o presente controla o futuro.

Quer dizer, essas coisas acontecem.

As circunstâncias pesam mais que as pessoas.

O negócio da oportunidade na política, por exemplo, é fundamental CC: No livro o senhor diz ter esperança em um desfecho positivo no caso da intervenção do Balaço Mercantil de Pernambuco.

AMF: A coisa está tomando um aspecto muito radical, o Banco Central achou que não era oportuno resolver, sob o argumento de que não daria dinheiro a um banco falido.

Não é o caso.

Nunca fomos falidos, o patrimônio líquido era positivo.

Eu sugeri no Banco Central fazer um leilão das minhas ações.

Tenho a maioria absoluta, por isso sou responsável pela intervenção.

Os bancos médios e pequenos perderam espaço com o Plano Real eu não me apercebi disso.

Os bancos do tamanho do nosso se inviabilizaram.

Sobrevivem três ou quatro nacionais, o resto são estrangeiros.

O processo corre no Supremo.

Estou com esperança de que, após 15 anos desse processo, o STF tome uma decisão.

CC: O senhor declara se apaixonado pela política.

O que diria aos jovens desencantados com ela?

AMF: Há uma campanha orquestrada contra o Parlamento e alguns congressistas são responsáveis por esse conceito péssimo que a sociedade faz hoje dos políticos.

Isso afasta o jovem, que é idealista, que melhorar a vida dos mais pobres.

No momento em que houver uma higienização no processo político, uma reforma, ou funcionem leis como essa da ficha limpa, jovens vão se interessar porque é uma coisa agradável.

Os estudantes por natureza gostam de política.

A tendência existe agora a repugnância prevalece.

O sujeito não quer se meter em lugar tão difamado.