Por Angelo Castelo Branco O JB que me acolheu não era apenas o mais influente jornal do país.
Era uma universidade que pulsava no coração do Rio de Janeiro e formava os mais influentes pensadores do Brasil contemporâneo.
A entrada de sua moderna sede, impecavelmente solene, nos impregnava de um sentimento de orgulho pelo notório privilégio de pertencer aos seus quadros.
Trabalhar no JB era um estado de espírito.
Integrado à sucursal do Recife, sob a chefia do saudoso Amaury Ferreira de Matos, participei de vários encontros de trabalho com os principais editores e colunistas do jornal, onde na verdade recebi as mais importantes lições de Jornalismo e de humanidades de minha vida.
Ainda há pouco passei pelo elevado da Avenida Brasil e, como faço todas as vezes que volto ao Rio de janeiro, detive meu olhar sobre aquele edifício que ainda guarda traços de uma elegância indestrutível, como se resistisse com fleugma às agressões do abandono.
Estava deserto como convém a uma ruína.
Suas janelas sem vidros ou com vidraças rachadas ou opacas, a cobertura enegrecida, o pátio vazio, uma melancolia que de tão pulsante me travou a garganta.
Mas, como acontece nessas horas, viajei ao passado não tão remoto, como se assim pudesse ressuscita-lo.
Revisitei o inesquecível dia que ali cheguei deslumbrado e absolutamente fascinado.
Fui recebido pelo último gentleman desse país: Luiz Orlando Carneiro que há anos vive em Brasília onde pontifica como um dos mais notáveis do jornalismo político nacional.
Aluisio Flores, Carlos Castello Branco, Valder de Góis, Elio Gasperi, o cartunista Ique, Beatriz Bonfim, Ziraldo, Valmir Ayala, João Saldanha, Zozimo Barroso do Amaral, desfilaram pelas páginas da memória que não perdoa.
O JB da condessa Pereira Carneiro e de Nascimento Brito era, sobretudo, um jornal de princípios rigorosos.
De apurado senso estético em sua linha editorial e em todos os demais sentidos. Éramos induzidos a usar sempre roupas formais, com gravata, na sede e mesmo nas sucursais.
Em viagens, repórter do JB deveria optar sempre por hotéis de categoria superior e freqüentar bons restaurantes.
O JB era de fato um jornal orgulhoso e havia razões de sobra para isso.
Na sucursal eu cobria o setor de política, Letícia Lins e Luis Roberto Marinho produziam textos de economia e especiais de cultura, Walter Lima fazia o setor de polícia e Celso Ferreira ficava encarregado da reportagem geral.
Divane Carvalho e Terezinha Nunes também viriam compor o grupo.
O dia começava por volta das nove da manhã e terminava às 22h, com plantões nos sábados até 20h e aos domingos do meio dia até o final das rodadas de futebol e da checagem geral em todos os setores.
Colaborávamos também com a Rádio Jornal do Brasil cujo estilo sóbrio, inspirado nas transmissões da BBC de Londres, apontava os rumos que a FM viria adotar no sentido de criar um clima de maior intimidade, como se conversasse com o ouvinte.
Fez escola.
O JB cobria Pernambuco com prioridade porque além do relevante papel que suas lideranças políticas exerciam no turbulento cenário dos anos de chumbo na década de 70, o Recife abrigava a sede da Sudene onde, uma vez por mês, as mais importantes autoridades da economia nacional participavam das reuniões de seu conselho deliberativo e anunciavam medidas que geralmente impactavam e rendiam manchetes nacionais.
A condessa Pereira Carneiro, diretora-presidente do JB, esteve aqui várias vezes.
Uma delas para a inauguração da Rua Conde Pereira Carneiro, transversal da Mascarenhas de Morais.
Numa de suas visitas recebi um pedido especial: ela pediu que descobríssemos o endereço de uma sobrinha casada com um mecânico de automóveis, com dois filhos menores e residente num bairro modesto do Recife.
A bordo de um automóvel Galaxie carregado de brinquedos, ela causou uma grande e emocionante surpresa à jovem que havia renunciado à glamorosa vida carioca para viver um grande amor, como sugeria Vinicius de Morais.
Sou grato ao JB pelo que ele me proporcionou e sinto-me privilegiado por ter sido seu repórter numa das fases mais notáveis de sua biografia que certamente, um dia será escrita.
Foram momentos de grandes sentimentos e de graves responsabilidades em face das circunstâncias políticas especialmente perigosas para quem atuava na Imprensa.
Sabiamos disso, mas não nos intimidávamos e nos sentíamos protegidos pela instituição que era o JB.
Graças à sua coerência e irrepreensível fidelidade perante os postulados da livre manifestação do pensamento e dos direitos humanos, o JB foi, sobretudo, generoso quando nos abriu espaços com matérias e editoriais cujas repercussões contribuiriam para que o Brasil se torne de fato uma nação forte, democrática, madura e responsável.
Ao circular pela última vez, na manhã de hoje, já desfigurado pela doença crônica da gestão, encolhido num formato tablóide que ele não merecia, o JB sai definitivamente das bancas de jornais para entrar na história do jornalismo com todas as honras que a sociedade brasileira lhe confere.