Por Marco Mondaini* Já tive oportunidade de dizer em alguns artigos escritos sobre a história das duas últimas décadas, do ponto de vista da afirmação dos direitos humanos no Brasil, que insiste em se fazer presente entre nós um hiato entre um “Brasil legal” consideravelmente avançado e um “Brasil real” bastante retrógrado.

Enquanto o “Brasil legal” avançado sobe à tona em decorrência da promulgação da Carta Constitucional de 1988, o “Brasil real” retrógrado no plano da proteção aos direitos civis e sociais surge devido ao encontro histórico realizado na passagem dos anos 1980 aos anos 1990 entre patrimonialismo e neoliberalismo.

Explicando melhor, na mesma conjuntura em que era promulgada a Constituição de 1988, um fato do nosso passado colonial – a estrutura patrimonialista responsável pela constante utilização do público com finalidades privadas – encontrava-se com um fato recente aqui chegado devido aos ventos soprados da Inglaterra e dos Estados Unidos.

Refiro-me aqui às políticas econômicas de caráter monetarista, que transformaram em dogma a idéia do Estado mínimo, isto é, mínimo no que diz respeito aos direitos e garantias sociais, pois no campo penal este se torna cada vez mais presente, criminalizando a pobreza, os movimentos sociais e os sujeitos sociais fragilizados, em especial, os jovens negros pobres.

Dito de maneira sintética, enquanto a Constituição Federal de 1988 traz consigo a exigência de uma presença maior dos poderes públicos, especialmente no campo dos direitos sociais, o binômio patrimonialismo/monetarismo requer a manutenção e reforço dos interesses particularistas e privados.

Talvez seja exatamente essa a chave de entendimento dos famosos versos cantados por Renato Russo, quando a Legião Urbana arrastava atrás de si em todos os recantos do território nacional multidões de jovens nos seus shows, na canção Que país é esse?: “Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”. *Marco Mondaini é Professor da UFPE.