ESCURO Um gerador é tudo que ilumina a praça no Centro de Palmares (Foto: Daniel Guedes/Blog de Jamildo) Por Daniel Guedes, em Palmares Se durante o dia o cenário já impressiona pela destruição, à noite, quando quase ninguém circula pelo Centro devastado, Palmares vira uma verdadeira cidade fantasma.

Como apenas 10% da área atingida tem energia elétrica, depois que o sol se põe, apenas os faróis de alguns carros e máquinas e as lanternas dos vigias mostram que ainda há vida por lá.

O medo de saques inverteu o horário de trabalho dos seguranças particulares e transformou em vigia noturno até quem não tem qualquer experiência.

Ronaldo Félix é pedreiro, mas desde que a água baixou, do sábado (19) para o domingo (20), protege uma loja de tecidos na Praça Doutor Paulo Paranhos, no Centro.

O ponto comercial já está vazio, pois não foi possível salvar nada.

A Ronaldo cabe evitar que roubem as portas de ferro. “Estão levando tudo por aqui.

A polícia já pegou uns meninos roubando aqui perto. É um trabalho perigoso, tem risco.

Mas Deus é maior”, explica ele, que trabalha das 18h às 6h, ganhando R$ 30 por noite.

Ronaldo não anda armado.

Tudo o que carrega é uma lanterna.

Já Adriano Santana, 22, não esconde que tem um facão para garantir sua proteção.

Armar-se foi uma necessidade imposta pela noite.

Antes trabalhava das 8h às 18h.

Agora, das 18h às 6h. “O risco primeiro é de assalto, apesar do esforço da polícia, porque tem gente que anda armada.

No dia da enchente houve saques.

Não tinha como evitar”, conta Santana, que faz a segurança de uma loja de móveis e eletrodomésticos.

Tudo o que foi possível salvar está guardado no primeiro andar do estabelecimento.

Na praça, o único ponto de luz é alimentado por um gerador.

A iluminação garante tranquilidade para uma senhora que perdeu a casa na enchente dormir num dos bancos que restaram desocupados.

José Joaquim dos Santos, 56, que junto com amigos faz segurança no local, diz que antes esse vazio não existia. “Isso aqui era muito animado.

Todas aquelas carroças de lanche que você viu lá em cima ficavam aqui.

Tinha movimentação até a meia-noite”, lembra o vigia.

Sair da Praça Dr.Paulo Paranhos é um risco grande.

Com tudo às escuras, é impossível saber onde se pisa.

Sem ver direito, parece que o olfato fica aguçado e o cheiro de podre fica ainda mais forte.

Basta respirar para saber que debaixo daquela lama toda há comida podre e animais mortos.

Seguindo por uma pequena rua deserta, chega-se à Praça Ismael Gouveia - aquela que ficou conhecida por conta da carreta que abriu uma cratera em frente à prefeitura e ficou submersa de cabeça para baixo - fica invisível.

Mas naquilo que um dia já funcionou como uma loja de baterias para carros é possível encontrar o artesão Erivaldo Medeiros, 59.

Ele perdeu o quartinho em que morava e resolveu alojar-se no antigo ponto comercial.

Está vivendo no meio de lama, lixo e ferro retorcido.

No escuro, não se destingue do entulho. “Sou um sem teto.

Por aqui ninguém dorme.

Todo mundo fica alerta. É medo de ladrão.

Aqui ninguém tá seguro.

Cuidado com essas suas andaças, menino.

Cuidado para não ser assaltado”, aconselha.

Quanto mais a noite se aprofunda, mais estranho é vagar pelas escuras ruas de Palmares.