Por Daniel Guedes Foto Chico Ludermir Um ano depois da tragédia em que perdeu o pai, a casa e o fiteiro em que trabalhava, Suely Belmino Bezerra Lins, 44 anos, vive hoje num sentimento que ela mesma chama de humilhação.

Não quis ser fotografada com a pá na mão, retirando areia de dentro do canal para vender a R$ 140 o equivalente a um caminhão.

Ficou reticente, meio cabisbaixa, para dizer que tudo o que ganhou depois do desastre foi um auxílio-moradia de R$ 151.

Usa o dinheiro para pagar o alguel de R$ 150 de uma casinha numa favela do Ibura, bairro na Zona Sul do Recife em que sofre a cada lembrança e a cada gota de chuva que encharca a terra fofa.

Era na casa de Suely onde estava Errivaldo Lins, 77 anos, quando a barreira caiu e soterrou pai, filha e netos, na madrugada do dia 12 de junho de 2009.

O aposentado não resistiu.

Suely diz que não recebeu qualquer indenização por ter perdido o pai, a casa e o ganha pão.

Do dinheiro que o governo paga a ela de auxílio-moradia sobra apenas R$ 1.

Mora numa favela.

Como o contrato da casa onde mora está para vencer, começa a se desesperar.

Não consegue achar um local que custe o que recebe.

Emprego ela não tem.

Já tentou montar uma barraca para vender frutas no Ibura mesmo, mas não deu certo.

Resolveu cavar e vender areia.

Para não perder tempo - nem encontrar concorrência - Suely acorda cedo. Às 4h30 ela já estava com os pés molhados dentro da lama.

Só a chuva forte, como a que atingiu o bairro quando estivemos lá, fez a mãe de sete filhos parar o serviço.

E o trabalho duro não era exclusividade desta sexta-feira (18). “Sempre que chove venho aqui tirar areia. Às vezes trago a minha menina para ajudar.

Há um mês estou fazendo isso e já tenho um caminhão e meio.

Nunca imaginei que teria que entrar no canal para tirar areia.

Mas a necessidade obriga”, conta na esperança envergonhada de conseguir R$ 210 na lama que levou seu pai.

A tragédia alías, insiste em atormentar Suely.

Basta olhar para o céu negro para o peito ficar irrequieto.

Quando começa a chover, então… “Fico apavorada.

Não consigo dormir direito”.

E pronto.

O visível incômodo de Suely constrange a iniciativa de se fazer outra pergunta.

Falar sobre o assunto é mais fácil com a viúva de Errivaldo, a aposentada Maria Alda, 72 anos.

Ela se apegou a Deus e na religião encontra forças para enfrentar a perda. É na crença também onde busca ajuda para amparar os seis filhos e os incontáveis netos e bisnetos.

A filha de nome Betânia é a que mais causa preocupação.

Vive na iminência de ter a casa simples coberta pelo muro que pode cair a qualquer momento. “É a minha maior aflição.

Está numa situação crítica.

Fico aperreada porque não tenho como ajudar.

Nesses dias de chuva não durmo mesmo.

Esta madrugada eu olhava a chuva e pedia a misericórdia de Deus para ela cessar”, conta a aposentada que vive da pensão do marido, um salário mínimo.

Dona Alda torce para que a situação melhora.

Neste um ano sem Errivaldo, diz que a única coisa que mudou foi a construção de um muro de arrimo no Ibura.

Diz que dá mais segurança, mas não é tudo.

Pelo noticiário, Maria Alda ficou sabendo das mortes no Estado. “Isso doeu tanto no meu coração.

Porque eu sei esse sofrimento.

Sofro muito pelas outras pessoas, porque todos são humanos”.