Por Marco Mondaini* No ano de 1936, Sérgio Buarque de Holanda publicou aquele que seria considerado um dos “clássicos de nascença” do pensamento social brasileiro, nas palavras do teórico da literatura Antonio Candido: Raízes do Brasil.
Então, o historiador paulista lança duas idéias que se tornariam célebres e, ao mesmo tempo, polêmicas.
A primeira, a de que “a democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal-entendido”, em virtude do fato de os movimentos reformadores terem sido implementados entre nós quase sempre de cima para baixo.
A segunda, a de que o “homem cordial” é o traço definidor do caráter brasileiro, em função da indistinção existente na nossa sociedade entre público e privado.
Tal indistinção entre espaço público e privado, isto é, entre relações impessoais e pessoais, seria o resultado da falta de percepção de que o Estado é a superação do círculo familiar, e não a sua continuidade, fato que constitui o ponto nodal do Estado de tipo patrimonialista, característico da nossa estrutura política nacional.
Em 1975, quase 40 anos após a edição da obra-prima de Sérgio Buarque de Holanda, o sociólogo paulista Florestan Fernandes publica um outro “clássico de nascença” da sociologia brasileira: A Revolução Burguesa no Brasil, no qual defende a tese de que a transformação capitalista ocorrida entre nós gerou um Estado autocrático e não um Estado democrático.
Entretanto, a recordação do ex-deputado federal constituinte no presente artigo deve-se menos à sua obra que ao grande exemplo dado por ele no decorrer da sua vida, em especial no momento em que se encontrava gravemente enfermo em virtude da hepatite de tipo b adquirida por meio de uma transfusão de sangue. À época, Florestan Fernandes recusou as propostas de furar a fila para o transplante de fígado, inclusive a oferta do seu ex-aluno, o então presidente FHC, para se tratar de maneira vip nos EUA.
Passados 15 anos da sua morte, nunca é demais relembrar o grande exemplo de anticordialidade do intelectual, que nunca se utilizou da sua figura pública para obter benefícios privados. *Marco Mondaini é Professor da UFPE e articulista do Blog nas segundas-feiras