Por Marco Mondaini* Há cerca de um ano atrás, escrevi um artigo intitulado “O valor da vida no Brasil” citando inicialmente a declaração de um jovem estudante italiano que, em visita de caráter missionário à periferia de Fortaleza, afirmou que “a vida no Brasil não tem o valor que lhe atribuímos nós (os europeus) – no entanto, todos sorriem”. À época, depois de uma reação patriótica inicial, em que busquei na história européia exemplos de desvalorização da vida humana – como durante o colonialismo, o totalitarismo nazi-fascista e as duas Guerras Mundiais –, não tive como não dar inteira razão ao jovem estudante italiano, pois, realmente, a vida humana no Brasil tem cada vez mais um escasso valor.
A lembrança do referido artigo foi se dando aos poucos, à medida que lia o noticiário do JC online na noite de domingo, um pouco antes de dormir.
Com direito a destaque, na seção Cotidiano, noticiava-se que um ex-presidiário havia sido “mutilado e linchado pela população de Maranguape II”.
Em função da violência do ato, “a cabeça estava quase separada do corpo”.
Imediatamente abaixo dessa primeira notícia, informava-se que “um homem conhecido apenas pelo primeiro nome” fora “assassinado a golpes de facão na cabeça”, tendo sido o seu corpo “encontrado morto em um mangue em Barra de Jangada”.
A completar o informe, como é comum em tais casos, é levantada a hipótese do crime estar vinculado ao tráfico de drogas.
Ainda que muito curtos, os relatos impressionam pelo fato de mostrarem as formas pelas quais a integridade física do ser humano é barbaramente violada … por outros seres humanos, em nosso país.
E o que talvez seja mais grave: tudo isso ocorrendo de maneira tal a fazer com que a maioria da população brasileira veja no martírio do corpo humano algo natural.
Finalizo estas minhas breves palavras retornando ao artigo de um ano atrás.
Então, recorrendo à parte final da declaração do jovem estudante italiano, afirmei que os brasileiros sorriam devido ao fato de insistirem em viver em meio a tanto desrespeito à vida.
Hoje, porém, diante de tanta violência, concluo perguntando: por que e de que nós ainda sorrimos? *Marco Mondaini é Professor da UFPE e articulista do blog nas segundas-feiras