De Anatólio Julião* A BR-104, também conhecida como a BR do Jeans, é a rodovia através da qual escoa a enorme produção de confecções que diariamente brota, sobretudo, nos municípios de Toritama e Santa Cruz do Capibaribe.

Por ela milhares de sulanqueiros de todo o País chegam para abastecer-se no monumental Shopping Santa Cruz Moda Center, maior que o Anhembi em São Paulo, atualmente abrigando mais de 6.000 antigos feirantes, que antes se espalhavam pela cidade ocupando-lhe quase todas as ruas.

Através dela, centenas de toyoteiros serpenteiam levando e trazendo fregueses, peças de tecido e dinheiro, muito dinheiro, que irriga a economia do Agreste Central e parte do Setentrional e começa, já, a se capilarizar por outras cidades não tão próximas ao vigoroso pólo de confecções.

Anunciada como obra referência do governo de Eduardo Campos, a duplicação da BR-104 redobrou os ânimos dos agrestinos de toda aquela região. “Agora vai”, pensaram.

Os trabalhos foram efetivamente iniciados, e um batalhão de máquinas de terraplenagem e asfalto passou a movimentar-se freneticamente em quase toda a sua extensão.

Um verdadeiro enxame de trabalhadores atuando em todos os setores como disciplinadas formigas emergidas de um formigueiro mágico, preparando-se para o inverno.

Foi assim que a vi, entusiasmado também, há algumas semanas, quando por ali transitei pela última vez.

Na última quarta-feira, por questões de trabalho, voltei a percorrer a BR-104.

Desde o seu começo, partindo de Caruaru, notei que algo estava diferente. À medida que fui penetrando o Agreste em busca de Toritama, verifiquei com espanto que as máquinas tinham sido retiradas, os trabalhadores em ínfimos grupos se juntavam em torno de algum pequeno acabamento, após longos trechos de deserto total.

As obras-de-arte tinham também sido abandonadas, de forma que enormes bueiras, passagens, coletores e viadutos se expunham ao sol como caveiras de bovinos abatidos pela seca.

Aqui e acolá uma fina poeira avermelhada corria do leito terraplanado da rodovia para a antiga, estreita e perigosa BR-104 de sempre.

Não disponho de informações consistentes sobre o que verdadeiramente motivou a paralisação da duplicação de apenas 56 quilômetros de extensão, nem o que fez a empresa responsável pela sua execução retirar do canteiro de obras, máquinas e homens como se tivessem sido abduzidos por um gigantesco ovni.

E não quero arriscar, para não cometer injustiças.

O que sim sei, é que, até ontem, a BR-104 lembrava muito as paisagens da refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca, e da Hemobrás, em Goiana, de reluzentes placas oficiais, cujos imensos terrenos polvorosos, despidos de toda cobertura vegetal, retalhados e chapados pelas máquinas, se nos apresentam como Saaras tropicais.

Decepcionado, como toda a população da região de Toritama e Santa Cruz do Capibaribe, pensei comigo: “deve ser algum sortilégio que lançaram sobre sua excelência o governador Eduardo Campos.

Suas grandes obras, logo após vigoroso e barulhento início, não conseguem ultrapassar o roço do mato e os primeiros cortes da terraplenagem”.

Olhei para o céu azul e diáfano do Agreste Central e pedi ao meu Padim Padre Cícero Romão Batista do Juazeiro que não permitisse que essa lufada de derrota e incompetência viesse a contaminar a frenética atividade dos homens e mulheres do Agreste que conseguiram, com sua própria iniciativa e perseverança, desenvolver uma das mais consistentes estratégias de sobrevivência, em ambiente tão inóspito de Pernambuco. *Anatólio Julião é sociólogo