Por Marco Mondaini* De tempos em tempos, o monstro que já se imaginava sepulto para todo o sempre se faz ressuscitar através da boca de personagens tragicômicos.
O monstro em questão é a tese da legítima defesa da honra.
O personagem, um advogado, pai de um homem acusado de assassinar a mulher em Pernambuco no já longínquo ano de 1989.
Ora, a tentativa de tornar legítimo (e, como tal, não passível de punição pelo Poder Judiciário) o assassinato de uma mulher por um homem, por intermédio da idéia de “defesa da honra”, retrata um dos preconceitos mais duradouros da história da humanidade, a saber, o preconceito dos homens em relação às mulheres.
A infame linha de raciocínio é muito simples, sendo facilmente assimilável por qualquer pessoa, independentemente do seu nível de instrução e condição socioeconômica: quando um homem mata uma mulher que, supostamente, lhe faltou com respeito, realiza-se um ato de justiça, pois que a mulher deve respeito incondicional ao homem.
A questão é que a definição desse “faltar com respeito” é diretamente proporcional ao sentimento de posse que o homem tem frente à mulher, ou seja, quanto mais um determinado homem observa na mulher uma propriedade sua, maior é o número de ações compreendidas como uma falta de respeito que atinge em cheio a sua honra como homem.
Dessa maneira, um simples olhar (real ou imaginário) para outro homem, o uso de uma saia mais curta ou de um decote mais acentuado em locais públicos, por si sós, podem representar para o homem que se acha proprietário da mulher um gravíssimo atentado a sua honra, podendo tal “desrespeito” ser punido imediatamente com um ato de violência física ou simbólica.
Porém, é preciso que se diga que o preconceito contra mulher que embasa a retrógrada tese da legítima defesa da honra raramente encontra-se dissociado de outras formas de preconceito.
Com a palavra, mais uma vez, o personagem tragicômico acima mencionado, para quem “lésbica e viado é um lote de cabra safado”. *Marco Mondaini é Professor da UFPE e colunista do Blog de Jamildo às segundas-feiras