Romeu Tuma Jr. (Foto: UOL) Por Mario Cesar Carvalho da Folha de São Paulo O secretário nacional do Ministério da Justiça, Romeu Tuma Jr., diz que a investigação da Polícia Federal que vinculou seu nome ao de um suposto integrante da máfia chinesa cometeu abusos. “Não da PF, mas de pessoas da PF.
Fui investigado e chegou-se à conclusão que eu não deveria ser denunciado.
O caso foi “arquivado”, afirma.
Na investigação, a PF diz que há suspeitas de que Tuma Jr. ajudou o chinês naturalizado brasileiro Paulo Li a regularizar a situação de imigrantes ilegais e interveio para liberar mercadoria apreendida.
Li, que foi assessor de Tuma Jr. quando ele era deputado estadual, está preso desde setembro do ano passado.
O secretário não foi acusado formalmente à época porque o Ministério Público entendeu que não havia provas contra ele.
Em entrevista, Tuma Jr. diz que o caso foi encerrado no ano passado e voltou à tona por causa de seus ataques ao crime organizado. “O objetivo não é me investigar, é me desmoralizar”.
FOLHA - O sr. já comprou celular e videogame contrabandeado, como sugerem as conversas gravadas?
ROMEU TUMA JR. - Eu estava em Viena e minha filha pediu para eu comprar um Wii para minha neta.
Liguei para ela e disse que o Wii custava caro, 350, quase R$ 1.200.
Ela me perguntou se não seria melhor comprar no Brasil.
Liguei para o Paulinho.
Uma coisa que tem de ficar clara é que eu tenho um amigo que é chinês.
Não sou amigo de contrabandista.
Se cometeu crime, deixa de ser meu amigo.
Falei para o Paulinho: “Vê quando custa um Wii na Paulista”.
Ele liga de volta: “Custa R$ 950”.
Minha filha liga de novo e diz que o namorado da minha outra filha estava nos EUA, onde o Wii custa US$ 250.
O jogo veio dos EUA.
FOLHA - E o celular?
TUMA JR. - Tenho esse celular há três anos, quando fui para a China.
Só tem em Hong Kong.
Tem um amigo meu, diretor do Corinthians, que ficou doente com o telefone.
O Paulinho me liga: “Tá vindo um primo meu de Hong Kong”.
Pedi para ele comprar um telefone igualzinho ao meu.
O cara trouxe o preto, não dourado.
O meu amigo não quis e eu não comprei.
Não é pirata. É um Motorola que só tem em Hong Kong.
FOLHA - Paulo Li é conhecido como contrabandista há alguns anos.
O sr., que é delegado, não sabia disso?
TUMA JR. - Se for verdade, para mim é uma decepção.
Sou policial há mais de 30 anos e tenho obrigação de conhecer quem faz coisa errada.
Nunca desconfiei, até porque ele vivia numa situação difícil.
Tinha um filho que estava sem emprego e eu arrumei emprego para ele no Corinthians.
Ele estava tirando outro filho da escola porque estava sem dinheiro.
Esse é o grande líder do contrabando?
FOLHA - A polícia diz que o sr. ajudava Li a regularizar a situação de chineses ilegais no Brasil.
TUMA JR. - Conheço o Paulinho há 20 anos e tem uns quatro e-mails em que ele pede informação sobre estrangeiros. É minha obrigação como servidor atender qualquer pessoa de uma área sob minha responsabilidade.
Ele, eventualmente, pode ter pedido alguma coisa.
Mas se houve atendimento é porque estava dentro da lei.
FOLHA - Mas Li é acusado de cobrar comissão para fazer isso.
TUMA JR. - Houve uma disputa muito grande sobre a data para anistia dos imigrantes.
Decidimos que seria 1º de novembro de 2008.
No Congresso, um deputado fez uma emenda colocando a data para 1º de fevereiro de 2009.
Isso é um absurdo.
As pessoas iriam se aproveitar para colocar imigrantes no Brasil. É criminoso.
Um deputado havia montado um esquema com policiais federais na Liberdade e cobravam por atestado.
Foi o Paulinho que denunciou esse esquema.
FOLHA - O sr. avisou a polícia?
TUMA JR. - Pedi um inquérito.
Foi um mês antes de o Paulinho ser preso. É por isso que ele me liga no dia da prisão.
Tinha medo de que não fossem policiais, mas pessoas dessa máfia.
FOLHA - Numa gravação, um assessor do sr. tenta liberar aparentemente uma carga apreendida.
TUMA JR. - É outro absurdo.
Se divulgassem a conversa inteira, veriam que não é mercadoria.
São livros contábeis.
Um empresário me liga e diz: “Veio um fiscal na minha loja e pegou os livros.
Para devolver, ele quer R$ 30 mil.” Falei: “Vamos prender o cara”.
Pedi para um assessor descobrir quem era o delegado da Receita na região.
O empresário foi lá e denunciou.
Não cometi nenhum crime.
FOLHA - O sr. também é acusado de tentar ajudar a família da deputada Haifa Madi, presa com US$ 123 mil no aeroporto de Cumbica.
TUMA JR. - Recebi dezenas de telefonemas nesse caso, inclusive de pessoas do Judiciário.
Me perguntavam se podia sair do Brasil com US$ 10 mil ou R$ 10 mil.
Eu não lembrava.
Era domingo.
Liguei para um assessor e contei o caso.
Quando soube que eles tinham sido presos na sexta à noite, dois dias antes, falei: “Então tá morto, tá putrefato”.
O que eu queria dizer é: por que me ligam se as pessoas já estão presas?
Como fazem divulgação seletiva e criminosa dos diálogos, acham que estou dizendo que já não dá para ganhar uma nota.
FOLHA - É normal um secretário da Justiça ter esse tipo de conversa?
TUMA JR. - Sou servidor público e tenho obrigação de atender as pessoas. É natural que uma deputada ligue quando tem parentes presos.
Isso não é crime.
FOLHA - Um assessor seu, Paulo Guilherme Mello, é investigado sob suspeita de ajudar a máfia chinesa.
Por que o sr. não o afastou do cargo?
TUMA JR. - Ele é um policial federal e não posso prejulgar uma pessoa por uma investigação a que eu não tive acesso.
FOLHA - O sr. sabe por que seu depoimento não está no inquérito?
TUMA JR. - Isso é muito grave.
Fui delegado de polícia e, se ouvisse uma pessoa num inquérito e não juntasse o depoimento, estaria na rua.
Isso é crime.
Não tive direito a defesa.
FOLHA - O sr. acha que essa investigação da PF cometeu abusos?
TUMA JR. - Do jeito que essa investigação está sendo tratada, é um abuso.
Não da PF, mas de algumas pessoas da PF.
Fui investigado e chegou-se à conclusão que não deveria ser denunciado.
O caso foi arquivado.
FOLHA - Por que uma investigação de setembro veio à tona agora?
TUMA JR. - Estou sendo vítima do crime organizado e de uma armação política muito grande.
Com a política que implantamos no ministério, virei símbolo do combate à lavagem de dinheiro, da cooperação internacional.
Quando fui para a Comissão de Pirataria, é evidente que isso criou um desconforto.
O objetivo não é me investigar, é desmoralizar.
O crime organizado age assim: mata testemunhas e desmoraliza os chefes da investigação.