Por Leandro Modé - O Estado de S.Paulo A crise da Europa ameaça acabar com a lua de mel do mercado internacional com o Brasil.
Nem tanto por razões domésticas, mas porque um eventual prolongamento das turbulências tende a secar os recursos disponíveis mundo afora para aplicações em ativos considerados de risco, como os brasileiros.
As incertezas dos últimos dias já fizeram estragos no País - por enquanto, restritos à área financeira, sem afetar a economia real.
Os estrangeiros tiraram quase R$ 900 milhões da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nos três primeiros dias úteis de maio.
A média diária de saída (próxima a R$ 300 milhões) supera até mesmo a do pior momento da crise global.
Em outubro de 2008, deixaram a Bolsa R$ 4,7 bilhões, valor recorde dos últimos anos.
Na média diária, eram R$ 213 milhões.
No mercado futuro de câmbio, os estrangeiros passaram a apostar na desvalorização do real.
Até o início da semana passada, esses investidores tinham uma posição de US$ 2,6 bilhões a favor da moeda brasileira.
Terça-feira, inverteram-na rapidamente.
Agora, a posição está em US$ 2,5 bilhões pró-alta do dólar.
Essa é uma das razões que explicam o ganho de 6,45% da moeda americana nos cinco primeiros dias úteis de maio.
Na sexta-feira, o dólar valia R$ 1,85, ante R$ 1,74 no fim do mês passado.
Adiamento.
Outra evidência de que o sinal amarelo acendeu foi o recuo da Odebrecht, na sexta-feira, em uma emissão internacional.
A empresa pretendia captar US$ 200 milhões no exterior.
O Estado apurou também que um grande banco de atacado adiou três operações de abertura de capital (IPO) por causa da piora dos mercados globais.
Nos últimos anos, a maior parte da demanda por papéis lançados nesse tipo de negócio veio de estrangeiros.
Há quem acredite que o cenário nebuloso põe em risco até mesmo a megacapitalização da Petrobrás, prevista para os próximos meses.
Como se sabe, o Brasil foi um dos países que tiveram o melhor desempenho na saída da crise detonada pela quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008.
A partir do segundo trimestre do ano passado, os investidores identificaram o País como uma das grandes oportunidades para embolsar lucros.
O Índice Bovespa foi o que mais se valorizou e o real, a segunda moeda com a maior alta ante o dólar em 2009. “O Brasil tem sido o queridinho porque há poucas opções no mundo e por causa da enorme liquidez despejada pelos governos nos mercados”, disse o diretor do HSBC para América Latina e ex-diretor do Banco Central (BC), Luís Eduardo Assis. “Esse dinheiro tem de ir para algum lugar e uma pequena parte veio para cá.
No entanto, essa nova pernada da crise reduz a liquidez.” Incerteza.
A questão que ninguém sabe responder com precisão neste momento diz respeito justamente à duração e à extensão desse aperto de liquidez.
Por ora, a aposta da maioria dos analistas é de que a Europa encontrará uma solução para os problemas fiscais de países como Grécia, Portugal e Espanha.
Com isso, o nervosismo diminuirá naturalmente e o dinheiro voltará a circular no mundo.
No contexto atual, o Brasil ainda continuaria sendo destaque positivo porque: 1) é um dos países que mais crescem hoje, 2) tem uma situação fiscal razoável e 3) um rombo nas contas externas considerado financiável. “É natural que, em um momento como este, o investidor saia de ativos de risco e busque a segurança, o que se reflete na queda da Bolsa”, disse a economista-chefe da Corretora Icap Brasil, Inês Filipa. “Mas, em um prazo mais longo, não vejo efeito negativo.
Os governos europeus vão se acertar no combate à crise.” Nem todos se mostram otimistas.
O economista-chefe da Pentágono Asset Management, Marcelo Ribeiro, avalia que está em curso uma correção estrutural do que classifica de “bolha dos Brics”. É um movimento caracterizado pelo ingresso de dinheiro no Brasil, Rússia, China e Índia.
Um dos efeitos dessa onda foi a valorização das commodities, principal item da pauta de exportação brasileira. “Se a crise soberana (relativa às dívidas de países) europeia piorar, a bolha dos Brics vai estourar antes do que esperávamos, talvez em 2010 ou, no máximo, no ano que vem.”