Na Veja Somam 323 os nobres parlamentares que, na tormentosa noite da terça-feira passada, ignoraram o equilíbrio das contas públicas, os apelos do governo e, sobretudo, o bom senso para aprovar duas medidas populistas que podem sangrar em 4 bilhões de reais por ano os cofres do estado brasileiro.

Uma delas prevê um generoso reajuste de 7,7% aos aposentados que recebem acima de um salário mínimo, índice muito superior ao que o governo tem condições de pagar.

A outra pôs fim ao fator previdenciário, cálculo que dificultava a aposentadoria antecipada dos trabalhadores e, com isso, minimizava a insolvência do sistema de aposentadoria público.

O ruinoso projeto segue agora para o Senado.

Lá, os peemedebistas Romero Jucá e Renan Calheiros, capitães do mato do governo, avisaram aos patrões que a proposta também passará docilmente.

Caberá então ao presidente Lula a impopular porém necessária tarefa de vetar a medida – e ele já mandou dizer que, para preservar a solidez dos alicerces econômicos do país, assim o fará.

Não se esperava menos do presidente.

Nem, por outro lado, se esperava mais dos congressistas.

Cedendo gostosamente às tentações populistas que grassam em tempos eleitorais, eles ainda preparam a votação de um bilionário pacote de tungas – que, se aprovadas pelo Congresso, podem causar uma inconcebível cratera de 26 bilhões de reais nas contas públicas.

Esse pacote compõe-se de projetos que estão prontos para ir a votação no plenário da Câmara e, não por acaso, beneficiam somente funcionários públicos, uma privilegiadíssima casta de 1 milhão de pessoas, que custam cerca de 100 bilhões de reais por ano ao país.

Há criação de cargos de carreira e de confiança, funções comissionadas, reajustes, equiparações salariais – enfim, contempla-se todo o vernáculo burocrático que faz brilhar os olhos dos sindicalistas, que faturam politicamente esses ganhos junto aos seus filiados, mas que apavora os demais brasileiros – aqueles que acabam pagando a conta do lucro da companheirada.

Está pronta para ir a plenário, por exemplo, a criação de quase 17 000 cargos no Judiciário e 5 000 no Executivo.

Outros dois projetos estipulam reajustes fabulosos para todos os burocratas do Ministério Público e do Judiciário.

Se essas propostas vierem a prosperar, para arcar com elas o país gastará a extraordinária quantia de 11 bilhões de reais por ano – o mesmo valor investido pelo governo em 2009 no Bolsa Família, o principal programa de distribuição de renda do país.

Diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília: “O problema não é só criar novas despesas sem receita, mas também criar as despesas erradas.

Devem-se privilegiar investimentos em áreas como infraestrutura, saúde, educação”.

Entre os sortilégios prestes a se materializar no plenário da Câmara, constam aberrações indefensáveis, como a emenda à Constituição que acaba com os limites para o cálculo do adicional por tempo de serviço, proposta que pode sugar quase 10 bilhões de reais dos cofres públicos.

Revela-se alarmante o fato de que os autores dessas propostas não são deputados radicais de partidos nanicos, nem opositores dispostos a prejudicar o governo de qualquer maneira: são parlamentares que compõem a base aliada.

O fim do fator previdenciário resultou do esforço do senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul.

O deputado Arnaldo Faria de Sá, do PTB de São Paulo, patrocina a emenda que aumenta o salário dos policiais.

Regis de Oliveira, outro governista, assina a proposta que ressuscita o adicional por tempo de serviço.

A autoria desses projetos, assim como a tranquila aprovação na semana passada do reajuste dos aposentados, reforça que a dita base aliada no Congresso só é aliada quando lhe convém – ou seja, na hora de nomear apadrinhados no governo e exigir a liberação de emendas ao Orçamento.

Nos momentos em que a coerência programática deve prevalecer, prevalece, ao contrário, a lei da selva política: cada um faz o que melhor for para os seus interesses.

Perto das eleições, quando os interesses dos parlamentares se resumem a manter-se no poder, as prioridades deles, naturalmente, aliam-se às prioridades de quem pode elegê-los. É nesses instantes que assoma a força das categorias articuladas politicamente, como os funcionários públicos.

Eles formam a plateia que dobra o Congresso, porque dobrado o Congresso se deixa ser, de modo a continuar onde está.

De um modo ou de outro, a conta dessa farra será quitada pelos brasileiros que trabalham e pagam impostos.

Se o Congresso aprovar essas medidas e o presidente sancioná-las, duas coisas poderão acontecer: o governo cortar investimentos necessários para o desenvolvimento do país ou aumentar impostos – ou, ainda pior, promover ambas. “Essa tendência de aprovar mais despesas é extremamente preocupante”, afirma o economista José Matias Pereira, da Universidade de Brasília. “A conta não fecha.

Não se pode gastar mais do que se ganha.

Simples assim.”