Foto: Bobby Fabisak Por Chico Ludermir “Menos um bandido …é isso mesmo! ja chega de bandidagem!” “pena que não tinha uma pessoa como esse estudante para dar o tiro no assaltante”. “Enterra essa misera em pé para não ocupar espaço” “parabens ao cara que fez isso…é isso ai menos um bandido nas ruas! parabéns! merece o nobel da paz! lugar de bandido ou e na cadeia ou no cimiterio!" “Parabéns ao cidadão que realizou o que essa proesa!

Esse realmente merece um título de cidadão do Recife”.

Os comentários acima são de internautas na matéria “Assalto em saída de banco deixa um morto”, do JC Online.

O morto referido no título é o assaltante assassinado na noite dessa segunda (3) por um estudante de direito de 45 anos, que foi autuado por posse ilegal de arma e passou cerca de 24 horas detido no Centro de Observação e Triagem (Cotel), em Abreu e Lima.

A matéria reabre assunto recorrente em situações anteriores.

Por muitos leitores, os criminosos costumam ser sujeitos da ótica do merecimento de violência, e a justiça com as próprias mãos volta à tona.

As opiniões que abriram esta matéria são sintomáticas também da descrença no judiciário e do desejo de vingança. “Este é movimento neurótico bipolar, quando determinados setores da sociedade explodem de contentamento com o aparecimento de heróis que fazem justiça com as próprias mãos, para, logo em seguida, retornarem ao sombrio estado de medo cotidiano.

E a violência, no fim das contas, sai ainda mais reforçada”, avalia, em entrevista ao Blog de Jamildo, o professor da universidade federal de Pernambuco Marco Mondaini, autor dos livros Direitos Humanos e Direitos Humanos no Brasil.

Confira a entrevista completa abaixo.

BLOG DE JAMILDO - Diante de mais um caso de morte de assaltante percebemos um contentamento da sociedade.

Como o sr. avalia o fato?

MONDAINI - Como um episódio a mais no círculo vicioso de barbarização que caracteriza a sociedade brasileira contemporânea.

Diante da incapacidade dos poderes públicos em lidar com uma violência urbana, que vai se tornando cada vez mais crônica entre nós, cresce assustadoramente a opção irracional pela pura e simples vingança.

O problema é que, feita a vingança, como no caso em questão, realiza-se um desejo, mas o ciclo da violência não se interrompe.

Muito pelo contrário, esta não faz mais que ganhar um novo impulso.

Ou seja, num movimento neurótico bipolar, determinados setores da sociedade explodem de contentamento com o aparecimento de heróis que fazem justiça com as próprias mãos, para, logo em seguida, retornarem ao sombrio estado de medo cotidiano.

E a violência, no fim das contas, sai ainda mais reforçada.

BLOG DE JAMILDO - Quais são as consequências deste pensamento?

MONDAINI - A conseqüência mais imediata dessa tentativa inevitavelmente frustrada de resolver o problema da violência urbana por meio de ações vingativas isoladas é contribuir para a reprodução da desvalorização da vida humana, tornando banais homicídios e assassinatos de toda natureza.

Com isso, um quadro assustador vai sendo pintado com cores muito fortes: uma população não apenas armada, mas também bastante predisposta a apertar o gatilho das suas armas.

E quando falo de população, me refiro não apenas a eventuais assaltados, mas também a possíveis assaltantes.

Não nos enganemos: a vitória do binômio “síndrome da vingança/banalização da vida” traria consigo a crise não apenas do Estado de Direito Democrático, mas da própria idéia do monopólio legal da coerção por parte do Estado, ou seja, um retrocesso civilizacional.

BLOG DE JAMILDO - Defender os direitos humanos ainda é considerado defender bandidos.

Por quê?

MONDAINI - Porque ainda estamos atados a um passado que não quer passar – o passado de arbitrariedades praticadas durante a ditadura de 1964.

Inicialmente, no final dos anos 1970, os defensores do regime de exceção criaram a fórmula “direitos humanos como direitos de bandidos” com o intuito de neutralizar a força crescente da mobilização pelo retorno das liberdades democráticas em nosso país.

Redemocratizada a nação em termos políticos, a partir dos anos 1980, a fórmula passa a ser utilizada a fim de barrar a luta pela ampliação dos direitos para as classes mais empobrecidas da sociedade: em termos sociais, garantindo o acesso à saúde, previdência, assistência e educação de caráter público; em termos civis, fazendo com que a integridade física do morador de uma favela seja respeitada da mesma forma que a do habitante de um condomínio de luxo.

A entrevista está também no JC Online