A Tamarineira e o Estado Por José Luiz Delgado jlmdelgado@terra.com.br Será que, afinal, graças a três ou quatro artigos de jornal, as coisas serão postas nos seus devidos termos e algum bom senso prevalecerá?
Porque a indignação e as reivindicações a respeito da Tamarineira devem muito mais ser dirigidas contra o Estado do que contra a Santa Casa e a diocese.
O primeiro ponto, absolutamente fundamental, é obviamente a questão da propriedade.
Terceiros dizem que a propriedade do terreno é do Estado, e já é estranhíssimo que não seja o próprio Estado o primeiro a proclamar seu título e exercer seus direitos.
Se a propriedade é do Estado, não cabe nenhuma celeuma, e a Santa Casa não pode alugar terreno que não é seu.
Se, porém, não é propriedade do Estado, precisa passar a ser.
Porque ao particular é lícito fazer o melhor proveito econômico possível de sua propriedade particular - e imagino que qualquer um dos defensores da preservação da Tamarineira será muito cioso de fazer valer esse princípio na defesa de suas próprias propriedades privadas, rejeitando a intromissão de terceiros na gestão de seus bens particulares.
Ora, se, sobre uma determinada propriedade particular, incide um interesse coletivo relevante, um valor preeminente para toda a sociedade, valor esse que não seria adequadamente assegurado pelo novo uso pretendido para a área, o caso, claramente, é de desapropriação, para que o Estado, representante do bem geral, possa dar àquele imóvel a destinação pública almejada - e também para que um único indivíduo, o proprietário privado, não tenha de suportar sozinho o benefício que resultaria dessa destinação geral para a sociedade inteira, o que seria suma injustiça.
Incluo-me entre os que consideram inadmissível que a cidade perca aquela notável área verde.
Mas o instrumento adequado para isso é a desapropriação - não o tombamento - e essa não é nenhuma questão secundária, de pequeno porte.
E, portanto, também a esse título, a grande indignação e todas as reivindicações devem voltar-se contra o Estado, que se omite, parece inerte, indiferente e frio, e não formaliza a desapropriação.
Sobretudo se uma análise serena do empreendimento projetado revelar que ele não garante suficientemente a preservação do referido verde.
Ainda a outro título o Estado precisa pronunciar-se.
Porque o terreno magnífico é utilizado, há décadas, pelos serviços de psiquiatria do Estado.
Se o suposto proprietário viesse a alugar o terreno para empresários quaisquer, o que seria feito desses serviços?
O Estado não se incomoda com eles?
Não tem mais interesse no cuidado dos doentes mentais?
Dada à área outra destinação, qual o projeto que o Estado tem para o cuidado dos doentes que lá eram atendidos?
Ou não tem nenhum?
A Secretaria de Saúde nada tem a dizer a respeito do futuro da psiquiatria em Pernambuco?
Ora, (a) se a área é particular mas o Estado não se movimenta para desapropriá-la, mesmo em se demonstrando que o novo uso pretendido não asseguraria adequadamente a preservação daquela reserva verde, e (b) se o Estado não tem interesse na continuação dos serviços de saúde que lá mantém, ou seja, se o Estado não cuida do interesse público, nem quanto à preservação ambiental, nem quanto à saúde pública, - o que não se pode conceber é que deva esse interesse ser assumido pelo proprietário particular que ficaria impossibilitado de dar à área a melhor utilidade econômica que lhe convenha.
Do interesse público deve cuidar essencialmente o órgão público competente.
Que o proprietário particular imagine tirar o melhor proveito financeiro de sua propriedade, eis o que não deveria surpreender ninguém.
Gostaria muito de saber o que os acusadores da Santa Casa e da diocese fariam se quadro semelhante atingisse terreno de sua propriedade pessoal.
PS: José Luiz Delgado é professor universitário