Foto: Reprodução do site da Chesf Por Paulo Rubem Santiago www.paulorubem.com.br Uma estranha equação começa a se fechar com o anúncio da nova marca da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), que passará a ter o nome Eletrobras na sua frente.
Para os leigos isso pode representar o fortalecimento da holding nacional do setor elétrico rumo a uma empresa de porte internacional, como é hoje a Petrobras.
Para os que acompanham as funções que têm sido impostas ao Estado brasileiro nessas quase duas décadas de reformas econômicas, desde a implantação do Plano Real em 1994, com as privatizações, a abertura comercial, o livre fluxo de capitais e a desvalorização do câmbio em 1999, aprovação da lei de responsabilidade fiscal em 2000, seguida da adoção do ajuste fiscal e da elevação da dívida pública, o fato pode revelar outros interesses.
Em 2 de março de 2009, o Sindicato dos Urbanitários de Pernambuco, que representa os trabalhadores da Chesf, Celpe e Compesa, realizou seminário para debater o futuro do setor elétrico brasileiro, frente ao encerramento do prazo de validade das atuais concessões vigentes no setor.
Na exposição, destacamos que os desequilíbrios verificados no balanço de pagamentos com o exterior (após a imposição da paridade real-dólar de 1994) provocaram a assinatura de um duro acordo do governo FHC com o FMI em 1999, impondo-nos regras draconianas de gestão das contas públicas, de modo a assegurar que, na crise, os interesses dos credores internacionais fossem garantidos junto ao tesouro nacional.
Imposta a submissão aos interesses dos credores, a prioridade dada ao pagamento de serviços e da amortização da dívida pública esvaziou a capacidade de investimento do Estado.
Chegamos em 2008 com as empresas estatais tendo que fazer um esforço maior para economizar em 2009.
De 2000 a 2007 os serviços da dívida levaram R$ 1.267 trilhão de reais e os investimentos apenas R$ 98 bilhões, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea.
Em doze meses (Jan 08/Jan 09) o déficit alcançou R$ 59,1 bilhões (2,02% do PIB), quase toda a dotação de investimento das estatais no OGU 2008, elevando-se 0,5 p.p. do PIB em relação ao mês anterior.
Antes, com a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, já se atingira a Chesf, impedindo-a de captar empréstimos junto ao BNDES, embora a mesma não seja uma empresa dependente do tesouro nacional para pagar suas despesas de pessoal e custeio.
Daí para a abertura à formação de consórcios e de parcerias público-privadas nos novos empreendimentos do setor elétrico foi um pulo.
A engrenagem adotada em 1999 funcionou muito bem para os rentistas da dívida pública.
Primeiro criou-se uma meta de inflação a ser perseguida ao final de cada ano, considerando-se-a fruto do desequilíbrio entre a escassa oferta e a elevada procura por bens e serviços.
Para esfriar essa procura foram usados os juros altos, por muito tempo, ainda hoje, os mais altos juros reais do mundo.
Do outro lado esse mesmo remédio de combate à inflação foi o que remunerou as aplicações em títulos públicos emitidos pelo tesouro nacional e usados também pelo Banco Central.
Numa economia sem indexação (após o real) só a remuneração da maioria dos títulos permaneceu e continua indexada à taxa básica, a Selic.
A disparidade é gritante ainda hoje.
No Plano Plurianual de 2008-2011 o PAC deveria receber R$ 532 bilhões de investimentos públicos e privados.
Só o estoque da dívida pública que deveria ter vencimento em 2008 representava R$ 600 bilhões.
Virou-se o País de cabeça para baixo e junto foram as empresas públicas estratégicas.
A receita de impostos e contribuições passou a ser usada em primeiro lugar para multiplicar a riqueza financeira e não a infraestrutura nacional.
Agora, na iminência do fechamento da aliança PT-PMDB para 2010 em torno da ex-ministra Dilma Rousseff, os aliados de sempre, de qualquer governo de plantão, apresentam a fatura.
O Ministério das Minas e Energia, entregue a um aliado de Sarney, toca o projeto de esvaziamento da Chesf e de suas similares, concentrando todos os poderes na Eletrobras, ressalte-se, sob a órbita do PMDB.
Para os aliados de Dilma e do PT, esvaziar a Chesf é um passo necessário à transferência do poder central sobre o setor elétrico para a Eletrobras, leia-se, para o PMDB estatal, que controla o Ministério responsável pela maior quantidade de recursos autorizados em orçamento para investimentos das estatais.
Dos R$ 62,9 bilhões previstos para 2008, R$ 56,1 bilhões fizeram parte da contabilidade da pasta.
Contra essa barganha, manter a Chesf e congêneres autônomas, com capacidade de planejamento, endividamento e investimento é o nosso grande desafio.
O presidente Lula não precisa aceitar a fatura que lhe vem sendo imposta pelos eternos sócios do Estado brasileiro.