Por Gustavo Krause Que nem Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa, “quase que nada sei, mas desconfio de muita coisa”.
Desconfio de “holding”.
Sou antigo.
Não sou atrasado.
Faz parte das invenções geniais e diabólicas do capitalismo moderno.
Porém, a pulga abrigou-se atrás da orelha depois que um grande picareta pernambucano, enriquecido à custa da leseira dos consumidores e da esperteza de gestores públicos corruptos, disse na minha frente, depois do pipoco de uma de suas empresas, que estava tranqüilo: a holding, e não ele, detinha apenas 6% daquele negócio que fora à bancarrota.
Holding, além do papel que cumpre na organização dos conglomerados, serve para duas blindagens: blindagem jurídica e blindagem oligopolista ou, no limite, monopolista.
Simples: o poder econômico tende a engolir tudo, vorazmente, caso o Estado, por meio de regras e instituições, não estabeleça limites que equilibre a concorrência e proteja os consumidores no jogo bruto do mercado.
Desconfio do centralismo democrático. É uma contradição em termos: um conceito nega o outro.
Simples: o poder político, sem regras e instituições que estabeleçam procedimentos para acesso, saída e exercício limitado, tende ao abuso, ao autoritarismo e à forma extrema de opressão que é o totalitarismo.
No entanto, centralismo democrático é a pedra de toque dos métodos e organização dos partidos socialistas revolucionários, concebida por Lênin como arma letal da insurreição proletária para a derrubada do capitalismo.
Desconfio de que em algum ponto do espaço estas paralelas – holding e centralismo – se tocam.
Do Sinai, desculpem, do Planalto, o profeta Lula mandou transformar a Eletrobrás na área de energia “o que a Petrobrás é na área do petróleo”’.
A fórmula dos sábios: turbina-se a holding com o enfraquecimento das subsidiárias regionais e com isto, argumenta-se, a nova Eletrobras (sem acento) será um Player internacional (jargão neoliberal).
Ocorre, então, o encontro da holding com o centralismo democrático, certo?
Errado.
Há muito que os caras e o “cara” que estão no poder deixaram de acreditar na revolução socialista (à exceção dos dogmáticos sinceros e respeitáveis); há muito que deixaram de praticar o centralismo democrático em troca do peleguismo financiado, do aparelhamento bancado pela grana do governo e pelas aliança$ pragmática$.
Em matéria de socialismo revolucionário, restam duas relíquias e uma conversão: Cuba caduca, Venezuela ridícula e a arrependida “carta aos brasileiros” do candidato Lula.
Ora, o que interessa ao Governo Federal é dispor das “burras do tesouro”; da “grana preta” dos fundos de pensão; do bilionário orçamento das estatais; do poder de fogo dos bancos públicos; do poder discricionário de renovar concessões como fez recentemente com os portos brasileiros; de anistiar a “pilantropia”; de debochar das instituições; de cuspir o fogo da ameaça sobre o TCU; de, quando interessa, inocular o veneno da desconfiança sobre o Ministério Público.
Conclusão: o pano de fundo é o encontro da holding com o Centralismo Pecuniário, larga e prodigamente praticado pelo governo como instrumento de gestão “revolucionária” que faz corar de vergonha a palidez cadavérica de Lênin.
E que venham com o argumento da extinção da SUDENE (sem esquecer que o relator do projeto foi o deputado cearense do PT); e que venham com o projeto de privatização da CHESF (modelo neoliberal) do governo Fernando Henrique (sem esquecer os que do lado de cá se colocaram contra); contanto que usem argumentos poderosos, coerentes com a tradição da dignidade política pernambucana para que não se subtraia do nordeste o patrimônio material e imaterial da CHESF.
Não vale engolir a língua nem ficar de joelhos diante do poder central.
Caso isto venha a se consumar, desloca-se da periferia para o centro, o poder decisório.
Aí aprovar qualquer iniciativa é percorrer uma via crucis.
Obter migalhas para patrocínios culturais e esportivos, por exemplo, que já sofrem uma sucção tremenda do sul/sudeste, é um processo exaustivo e humilhante de convencimento dos “executivos” que enxergam o nordeste com um binóculo invertido; que chamam o nosso rio de Capiberibe; que recebem “simpaticamente” o suplicante com a surrada e depreciativa “Recife (‘e’ aberto), cidade pequena, porém decente”; que batizam os nordestinos de “paraíbas” ou “baianos”, rústicos habitantes de um quintal de veraneio com águas tépidas para acariciar corpos e “caipirinhas” para incendiar desejos.
No esforço solidário da resistência, não me movem sentimentos menores do regionalismo babaca (se o Presidente usa, também, posso usar o adjetivo); ou o legítimo exercício do proselitismo político (sou mero espectador); o que me move é a eloqüência dos fatos e a desconfiança de Riobaldo: se a Chesf for transformada num simples adereço da Eletrobras, o nordeste, ó!