Por Luiz Helvécio, na página de Opinião do JC de hoje Desde que dom Fernando Saburido anunciou a construção, pelo grupo Realesis, de um centro de compras no local onde funciona, desde 1883, o Hospital da Tamarineira, recifenses e entidades de expressão na cidade têm emitido suas posições relativas à intenção da Santa Casa.
A quase totalidade, contrária ao empreendimento.
No entanto, nenhuma voz se ouviu da entidade a quem cabe disciplinar o crescimento da cidade, a Prefeitura do Recife. É a ela que compete fazer cumprir a legislação que estabelece o que pode ser construído no município, onde e de que forma.
Correm pela cidade boatos de que a prefeitura já teria dado a anuência prévia ao projeto da Tamarineira, da mesma forma que correram boatos, desde 2007, de que a Santa Casa havia concluído a negociação com os donos do Paço Alfândega, envolvendo a Tamarineira.
Verdade ou mentira, o que se sabe é que ninguém realiza qualquer negociação imobiliária na cidade, sem ter certeza da aprovação futura do Poder Municipal.
No entanto, o projeto do centro de compras não tem a mínima chance de ser aprovado e licenciado pela prefeitura.
Pelo menos, enquanto estiverem em vigor o decreto estadual de tombamento do imóvel, o atual Plano Diretor e a Lei dos 12 Bairros, para não citar outras leis.
E, também, enquanto houver o bom senso por parte dos governantes, bem como o seu compromisso com a qualidade de vida das gerações atuais e futuras.
Quando o projeto for apresentado para análise da prefeitura, após verificação da propriedade do imóvel por parte da Santa Casa, item sobre o qual pesam fortes dúvidas, ter-se-ia que analisar se o decreto estadual permite tal ação.
O decreto assinado em 1992 estabelece o tombamento do Hospital Ulysses Pernambucano e seu respectivo entorno e demais benfeitorias nele erigidas.
Vê-se que não há qualquer espaço para aprovação do centro comercial pretendido.
Estaria encerrada a análise do projeto, o qual teria que ser obrigatoriamente remetido para os arquivos da prefeitura.
Digamos, num raciocínio absurdo, somente para efeito de análise das etapas seguintes, que a prefeitura não considerasse o decreto impeditivo para a aprovação do projeto.Qual a próxima etapa da análise?
O Plano Diretor estabelece, em seu artigo segundo, que “a política urbana do município do Recife observará os seguintes princípios fundamentais: função social da cidade, função social da propriedade urbana, sustentabilidade urbana e gestão democrática”.
Ainda mais, no artigo 44, o Plano Diretor estabelece que “a dimensão ambiental urbana será o eixo orientador de todas as intervenções no espaço urbano, assegurando ações preventivas e conferindo ao Recife o compromisso com uma agenda ambiental e com a melhoria da qualidade de vida das gerações futuras”.
O projeto preenche tais requisitos?
Continuando a raciocinar por absurdo, digamos que, mais uma vez, a prefeitura não considerasse os termos do Plano Diretor impeditivo para a aprovação do tal centro de compras.
Qual a etapa seguinte da análise?
A adequação ou não do projeto à chamada Lei dos 12 Bairros, que rege o uso e ocupação do solo para 12 bairros da cidade, inclusive o da Tamarineira, e que estabelece como seus principais objetivos: “Requalificar o espaço urbano coletivo, condicionar o uso e a ocupação do solo à oferta de infraestrutura instalada, à tipologia arquitetônica e à paisagem urbana existentes, definir e proteger áreas que serão objeto de tratamento especial em função das condições ambientais, do valor paisagístico, histórico e cultural e das condições sócio-econômicas de seus habitantes”.
De acordo com a Lei dos 12 Bairros, um empreendimento dessa natureza é considerado empreendimento de impacto, devendo a sua instalação ser precedida da aprovação, pelo Poder Executivo, de memorial que considere os seus impactos e formas de compensação, principalmente, no trânsito e no meio ambiente.
Continuando a raciocinar por absurdo, consideremos que a Lei dos 12 Bairros não impedisse, mais uma vez, a aprovação do projeto.
Qual a etapa seguinte?
Como o imóvel é um Imóvel de Proteção de Área Verde (Ipav), teria que ser verificado se o empreendimento destruiria, no máximo, 30% da área verde do local.
Teremos, então, um problema, uma vez que a prefeitura não concluiu a catalogação da arborização do imóvel até o início de março, apesar da condição de Ipav ter sido adquirida desde 2004.
Digamos que, num passe de mágica, o projeto passasse por todas essas etapas e sua obra fosse licenciada.
Estaríamos, numa escala crescente, infringindo leis municipais e decreto estadual, virando as costas para um desenvolvimento sustentável da cidade do Recife e comprometendo a nossa condição de vida e das gerações futuras.
Com a palavra, a Prefeitura da Cidade do Recife.
PS: Luiz Helvécio é membro da ONG Terra Viva e do Movimento Amigos da Tamarineira